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Violinista brasileira tem visto negado em Sydney por falta de seguidores

Apesar de histórico de shows com estrelas como Michael Bublé e Eminem, número nas redes sociais não seria 'compatível' com o de artista internacional

Por Amanda Péchy Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 17 nov 2020, 09h49 - Publicado em 17 nov 2020, 08h00

Anna Murakawa, violinista brasileira com quase vinte anos de carreira, é professora da Universidade de Sydney, na Austrália, e já tocou ao lado de grandes estrelas da música, como o rapper Eminem, o cantor Michael Bublé e a banda OneRepublic. Ela mora no país há quatro anos, onde completou o doutorado após estudar nos Estados Unidos e na Bulgária. Contudo, ao solicitar o visto de artista para se tornar residente australiana, ela teve a permissão negada. A justificativa: Anna não é famosa o suficiente nas redes sociais.

“A Imigração reconhece que sou uma violinista excepcional, mas diz que minha carreira não é mensurável como seria esperado de um artista internacional”, diz Anna, que conta ter ficado chocada com a recusa. “Logo depois que recebi a notícia, entrei desesperada no Instagram e fiz um apelo para quem acompanha e gosta do meu trabalho ajudar nesta campanha”.

A partir do dia 8 de julho deste ano, ela teria 21 dias para iniciar um processo de apelação, ou 28 dias para sair do país. A violinista recusou-se a desistir e vai para os tribunais nesta quinta-feira, 19, munida de quase meio milhão de seguidores no Instagram. Quando pediu o visto pela primeira vez, em 2018, tinha 28.000.

“Fiquei muito indignada que a definição de artista passe pelo número de seguidores. Dedico minha vida ao violino desde os 13 anos, dou tudo de mim, e ouvir que não foi o suficiente foi um tapa na cara”, diz Anna, mas completa que agora já está “em fase de aceitação” e só deseja poder continuar honrando suas origens brasileiras para públicos estrangeiros. 

Nascida em Osasco, a violinista é ex-aluna do Projeto Guri, um dos maiores programas sociais de incentivo ao estudo da música nas periferias. Foi seu tio, funcionário da prefeitura do município, que a incentivou a fazer a inscrição mesmo sem nunca ter ouvido música clássica. Foi então que teve o primeiro contato com seu instrumento, embaralhado com tantos outros em cima de uma bancada. O desafio de tirar som das cordas a encantou – e encanta até hoje.

Durante dois anos, dedicou-se ao Projeto Guri, encontrando-se na sua personalidade “nerd”, segundo suas próprias palavras. “Lá existia um senso de comunidade, era uma rede de apoio para além da música”, conta. Aos 15 anos, já tinha certeza que queria se profissionalizar e começou a trabalhar em duas orquestras – uma delas a Orquestra de Câmara da Universidade de São Paulo (OCAM) –, pela primeira vez gerando renda para ela e para a família por meio da música. 

Ainda assim, foi muito desencorajada a seguir música como carreira. Alguns entendiam que ela não se destacaria porque havia iniciado os estudos no projeto social, enquanto outros avaliavam que não existe futuro para quem é artista. Mas foi em meio a perguntas como “Você toca violino, mas o que quer fazer da vida de verdade?” que Anna recebeu um convite para estudar com uma das mais reverenciadas professoras da Bulgária.

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Em um festival de música com a OCAM em Brasília, a violinista teve a oportunidade de ter aulas com alguns dos mais proeminentes artistas do evento. Na ocasião, ela chamou atenção por cumprir um desafio musical proposto pela professora búlgara, que deu-lhe a oportunidade de estudar com ela na Academia Nacional de Música Prof. Pancho Vladigerov, em Sófia. Apesar de ser um convite sem bolsa, a jovem violinista decidiu que aquilo era o melhor para sua carreira, e aos 17 anos ficou determinada em estudar fora do Brasil.

“Queria me isolar e focar só nisso. Sabia que estava competindo com pessoas que começaram a estudar muito mais cedo que eu, com uma estrutura muito melhor, então precisava correr atrás do prejuízo”, diz. “Eu estava tão decidida que cheguei até a dar uma festa de despedida sem nem ter comprado passagens!”

Foi então que o Projeto Guri entrou novamente em sua vida. Impressionada com sua história, a diretoria decidiu criar uma bolsa-auxílio para ajudar ex-alunos a se profissionalizarem, da qual Anna foi a primeira beneficiária. O projeto onde ela pousou os olhos no violino pela primeira vez comprometeu-se a pagar passagens, estadia, aulas e até um instrumento próprio, que a artista ainda não possuía.

Depois de uma temporada intensa na Bulgária, onde ela concluiu o bacharelado em três anos, mais rápido que o padrão de quatro anos, a violinista foi convidada a estudar nos Estados Unidos pelo professor Andrés Cárdenes. Lá, fez pós-graduação na Carnegie Mellon University, em Pittsburgh, e mestrado na University of Louisville, no Kentucky. Ela atuou em diversas orquestras, entre elas a Orquestra Jovem das Américas, durante os três anos que permaneceu no país.

Anna chegou a iniciar o doutorado em violino no Texas, mas preferiu sair da zona de conforto e tentar estudar com um dos mais renomados violinistas do mundo, o norueguês Ole Bohn, na Universidade de Sydney, na Austrália. 

“Não tinha nenhum dinheiro. Peguei 3.000 dólares emprestados para estudar e prestar a prova de doutorado”, diz a musicista. “Viajei meio mundo sem nenhuma garantia de que ia passar na prova, mas queria estudar em um lugar do qual me sentisse orgulhosa”, completa.

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Ela conquistou a concorrida vaga na universidade, mas sem emprego e sem conhecer ninguém no país, conta que “deixou o ego de lado” e começou a tocar na rua. Da rua, passou a tocar em casamentos. Dos casamentos, migrou para grandes estádios.

“Eu sempre procurava inovar, fazer algo diferente. As pessoas começaram a perceber isso e me chamaram para coisas cada vez maiores. O Eminem me contratou pelo Facebook!”, conta Anna, que tocou com o rapper em 2019 para 80.000 pessoas. Depois disso, teve a experiência de dividir o palco com a banda americana OneRepublic, cuja música “Counting Stars” ela tocava em seus dias de artista de rua. A violinista também tocou diversas vezes com o cantor canadense Michael Bublé e com a banda de rock Hanson.

Após quatro anos na Austrália e 17 anos de violino, contudo, um número de seguidores “incompatível” com o de um artista internacional a impede de permanecer na vida que construiu. Durante a construção da apelação, Anna produziu um álbum de músicas de Natal, “Let It Shine”, lançado no sábado 14. A canção “I’m Gonna Let It Shine”, de Jevetta Steele, termina com os versos “Se há um canto escuro na terra / Você tem que deixar a sua luz brilhar” – a mesma esperança com a qual a violinista diz que vai enfrentar a audiência nesta quinta-feira.

“Sinto uma responsabilidade muito grande. Pensando no Projeto Guri, sei que quanto mais longe eu chegar, mais outras pessoas vão acreditar que elas conseguem também”, afirma. Seu compromisso é também com o próprio instrumento, que muitos enxergam como inacessível, explica. “A recusa do visto despertou um propósito que já existia no meu coração, mas estava adormecido. Quero representar o Brasil como violinista.” 

Poucos dias antes da hora H, Anna admite que não está totalmente confiante, mas que acredita em milagres. “Mesmo assim, se o visto não sair, vou poder olhar para trás e saber que dei tudo de mim, como sempre tento fazer”.

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