Violência doméstica mais que dobra na Rússia durante quarentena
Houve 13.000 reclamações de violência no país em abril; na Europa e no Brasil, casos de agressão e feminicídio também aumentaram
A comissária de direitos humanos na Rússia, Tatyana Moskalkova, afirmou na terça-feira 5 que os casos de violência doméstica no país mais do que dobraram durante o bloqueio para conter a propagação do coronavírus. Relatórios de organizações não-governamentais russas registraram 6.000 denúncias em março, dado que saltou para mais de 13.000 em abril
“O cenário não é otimista”, afirmou Moskalkova. O Kremlin impôs um bloqueio nacional no final de março, cuja suspensão está prevista para 11 de maio.
Os números da Comissão de Direitos Humanos diferem daqueles apresentados pela polícia russa, segundo o jornal britânico The Guardian. Na semana passada, autoridades disseram que o número de crimes domésticos caiu 13% durante o confinamento em abril, em comparação com o mesmo mês do ano passado. Para ativistas de direitos das mulheres, o dado é impreciso porque muitas vítimas não denunciam à polícia.
O jornal russo The Moscow Times reporta que Moskalkova pediu às autoridades que as vítimas de abuso doméstico pudessem sair de casa sem os “passes” digitais que várias cidades russas introduziram para monitorar a circulação dos cidadãos. No mês passado, legisladores apelaram ao governo para isentá-las de punições por violarem a quarentena, providenciar abrigo e pressionar a polícia a investigar todas as denúncias de violência doméstica.
Grupos de defesa aos direitos humanos argumentam que a Rússia não tomou medidas suficientes para combater a violência doméstica. Em uma carta ao governo, nove ONGs pediram às autoridades para montar mais abrigos, instruir policiais sobre a importância de responder às chamadas de violência doméstica e ajudar as vítimas a obter ajuda médica, jurídica e psicológica.
Contudo, a questão da violência doméstica é negligenciada na Rússia há anos. Apesar de 40% de todos os crimes violentos serem cometidos entre familiares, segundo dados da polícia, em 2017, o presidente Vladimir Putin descriminalizou a agressão contra membros da família.
Ou seja, violências contra o cônjuge ou os filhos que resultam apenas em ferimentos leves ou sangramentos – mas não ossos quebrados – são puníveis com 15 dias de prisão ou uma multa de 30.000 rublos (2.300 reais), desde que o incidente não aconteça mais de uma vez por ano. Anteriormente, esses crimes leram punidos com sentença de prisão máxima de dois anos.
Além disso, Putin também rebaixou a primeira infração com violência doméstica de um crime para um delito, punível com uma multa de 5.658 rublos (432 reais).
Crise dentro da crise
Em toda Europa, o número de denúncias de violência doméstica cresceu depois que os governos instituíram bloqueios nacionais para conter a pandemia de coronavírus. Segundo o Guardian, as frustrações do isolamento forçado, muitas vezes alimentadas pelo aumento do uso de álcool e por dificuldades financeiras, agravaram as tensões existentes ou desencadearam novas.
Na semana passada, as Nações Unidas alertaram para uma “crescente crise dentro de uma crise”, estimando que se o mundo ficasse seis meses em quarentena, o resultado seria 31 milhões de casos de violência doméstica. Caso as ordens para ficar em casa durem um ano, o número chegaria a 61 milhões.
No Brasil, uma pesquisa recente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostrou que o número de feminicídios aumentou 400% no Mato Grosso, 300% no Rio Grande do Norte, 100% no Acre e 46,2%, em São Paulo. As comparações são entre março de 2019 e o mesmo mês deste ano.