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Venezuela na fronteira: cães famintos, tráfico de fuzil e falta de tudo

Santa Elena de Uairén, município para onde os refugiados venezuelanos foram obrigados a voltar, fica na divisa com o Brasil

Por João Batista Jr., de Pacaraima
Atualizado em 24 ago 2018, 18h32 - Publicado em 24 ago 2018, 16h20

A BR-174, conhecida como uma das principais rotas de escoamento do narcotráfico no Brasil, encerra seu trecho nacional na cidade de Pacaraima, em Roraima. A partir da fronteira com a Venezuela até a primeira cidade do país vizinho – Santa Elena de Uairén – ela ganha o nome de Estrada 10. Pela Estrada 10 e pela BR-174, bandidos trazem armamento pesado como fuzis Kalashnikov. O principal comprador do armamento é o PCC, que desembolsa 50 000 reais por unidade. Há também o transporte de pasta base de cocaína.

Nas três ocasiões em que a reportagem de VEJA atravessou a fronteira, em nenhuma delas o carro foi revistado – em duas pediram para abrir o porta-malas, sem fazer nenhuma inspeção por parte da Polícia Federal Rodoviária; na outra, nem isso. Em nenhuma ocasião foi pedido algum documento dos passageiros.

O trajeto que faz chegar à primeira cidade da Venezuela é percorrido em vinte minutos. A Estrada 10 é segura, sem buracos. Já a cidade Santa Elena de Uairén está em frangalhos. Até sete anos atrás, o município era conhecido como uma versão venezuelana de Ciudad del Leste.

O comércio vivia abarrotado de brasileiros em busca de tênis, óculos de sol, eletrônicos, roupas, fraldas – a maioria dos itens era falsa ou contrabandeada. Havia excursão saindo de Boa Vista, a 230 quilômetros de distância, lotada de comerciantes para encher malas de compras e abastecer suas lojas no Brasil. Esse cenário não existe mais.

O comércio da cidade tem muitos pontos fechados. Os que ainda resistem operam com parte das prateleiras vazias. Pelos padrões da economia destroçada do país, Santa Elena ainda tem algum movimento. O motivo é a proximidade com o Brasil. Coca-Cola, papel higiênico, detergente, sabonete, pilha, copo descartável, entre outros, são comprados em vendas e supermercados de Pacaraima e revendidas do lado de lá da fronteira. A proximidade geográfica faz Santa Elena não ficar 100% desguarnecida. Os preços, porém, são exorbitantes. Metade do Mercado Municipal da cidade está com suas lojas fechadas.

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O clima fica ainda mais triste porque muitas lojas, para reduzir custos de operação, funcionam com as lâmpadas apagadas. Os clientes escolhem tomates e alface na penumbra.

Um país sem smartphone e WhatsApp

Assim como os carros em circulação, os aparelhos de celular na Venezuela parecem peças de museu. Há uma única lona no centro de Santa Elena que vende novos aparelhos. “Muitos não têm WhatsApp nem fazem fotos. Uma tristeza”, explica a vendedora. Os que permitem instalar Facebook e WhatsApp, por exemplo, têm a tela pequena. Não daria para visualizar uma foto, por exemplo. E custam caro pelo pouco serviço oferecido: 490 reais.

Contrabando de gasolina

A proximidade do Brasil faz florescer o contrabando de gasolina. Os moradores enchem o tanque de seus carros velhos de combustível, que lá é vendido por centavos de reais. Há mecânicos especializados em deixar oco compartimentos dos carros, como as portas, para que possam estocar mais combustível.

Já em casa, é feito o serviço inverso: o líquido do veículo é retirado e armazenado em recipientes de plástico. Todos serão vendidos do outro lado da fronteira para brasileiros. O valor fixado: 1 litro por 1,50 real. Há postos de gasolina de Roraima com bombas cheias de gasolina venezuelana. O contrabando intenso só é permitido graças aos policiais corruptos, de ambos os lados da fronteira, que levam o deles pela travessia. Muitas vezes, os guardas recebem em gasolina.

Real, bolívar, bolívar soberano, dólar, ouro, diamante…

Homens e mulheres saem de suas casas com garrafas térmicas cheias de café e uma forma de bolo de fubá ou milho. Eles perambulam pela cidade com a expectativa de fazer um trocado. Em alguns casos, trocam fatias de bolo por unidades de tomate ou cebola. Há rapazes tentando ganhar dinheiro vendendo suco de laranja. É preciso espremer quatro laranjas para encher um copo de 300 mililitros. O suco é azedo e ralo, intragável. Muitos cachorros famintos, com os ossos da costela aparentes, ficam por perto para ver se sobra algo.

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Outra alternativa para driblar a falta de emprego, agora para pessoas já com um pouco mais de recurso, é trabalhar como cambista. No centro de Santa Elena, há dezenas deles – podem chegar a dez em apenas um quarteirão. Sentados em mesas de plástico na calçada, eles balançam maços de dinheiro aos interessados. Muitos carregam inacreditáveis 5 quilos em notas. Em média, trocam o equivalente a 3 000 reais por dia.

Com a inflação na expectativa de chegar a 1.000.000% neste ano, os venezuelanos trocam qualquer item mais valioso do que a moeda local, que não vale quase nada. Há gente simples que troca pedras de ouro garimpadas na região. Cada grama sai por 112 reais.

Como forma de tentar camuflar a inflação, Nicolás Maduro criou recentemente o bolívar soberano, que nada mais é do que uma versão do bolívar com cinco zeros a menos. As novas notas não foram distribuídas em todo o país. Mesmo na tentativa de camuflar a hiperinflação, o governo de Maduro falha. VEJA encontrou apenas um cambista com as novas cédulas. “Um amigo me trouxe de Caracas”, contou.

Gás por centavos

Uma vez por semana, um caminhão da PDVSA circula pela cidade para vender gás. Onde o veículo estaciona, forma-se uma fila de moradores e comerciantes. Uma mulher com um caderno anota quem pegou. É preciso dar o botijão vazio para pegar o cheio pelo equivalente a 0,40 centavos de reais.

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