Uma cerimônia de posse sem precedentes na história americana
Com isolamento social, segurança reforçada e sem a presença de Donald Trump, evento será retrato dos novos hábitos impostos pela Covid-19
Joe Biden tomará posse como 46º presidente dos Estados Unidos nesta quarta-feira, 20, em Washington DC. Após semanas conturbadas que seguiram a invasão do Capitólio no início do mês e um ano dramático movimentado pela pandemia de Covid-19, a cerimônia contará com um protocolo rígido nunca antes visto. Também é novidade a ausência do atual mandatário, Donald Trump, que depois de uma campanha persistente para tentar invalidar a vitória de seu adversário nas eleições decidiu se isolar em seu clube de golfe Mar-a-Lago, na Flórida.
Trump será o primeiro presidente em mais de 150 anos a não comparecer à cerimônia de posse de seu sucessor. A última vez que algo assim aconteceu foi em 1869, quando Andrew Johnson decidiu não participar da solenidade de seu adversário na Guerra Civil, Ulysses S. Grant. Assim como o atual mandatário, Johnson sofreu um processo de impeachment, mas foi absolvido pelo Senado.
O magnata republicano anunciou que viajaria para a Flórida no dia da cerimônia pouco depois da invasão ao Capitólio por apoiadores de Trump, que tentavam impedir a realização da sessão que ratificaria a vitória de Joe Biden no colégio eleitoral e seu direito de assumir a Presidência. O ato de violência deixou cinco mortos, entre eles um policial.
Cerimônia de despedida
Além de não participar da cerimônia de posse, Trump também se recusou a parabenizar Biden pela vitória ou convidá-lo para a tradicional xícara de chá no Salão Oval antes da troca de governo. Em vez disso, o republicano passou esses últimos dias se reunindo com um círculo cada vez menor de nomes leais que o apoiaram por dois meses em seu esforço inútil de anular os resultados das eleições de novembro.
Na segunda-feira 18, a Casa Branca enviou convites para a despedida oficial de Trump a alguns de seus apoiadores mais fiéis: uma solenidade na Base Andrews, onde ele deveria embarcar pela última vez no Air Force One, o avião presidencial, a caminho da Flórida. O evento está marcado para esta manhã e pediu-se que os convidados usassem máscaras de proteção. Cada um poderia levar até cinco acompanhantes.
Segurança máxima
Enquanto isso, a posse de Biden nas escadas do Capitólio contará com um pequeno público e grande esquema de segurança, uma das consequências dos tumultos pró-Trump, além de preocupações sobre a pandemia. Depois que uma multidão rompeu a barreira policial, feriu um agente que morreu horas depois e causou danos dentro do edifício do Congresso, as medidas de segurança foram elevadas a seu nível mais alto.
Além de toda a força policial de Washington DC e de municípios que enviaram reforços, a cidade terá a presença de cerca de 21.000 membros da Guarda Nacional. Com isso, os Estados Unidos mantêm hoje mais militares em sua capital do que todos aqueles que estão no Iraque e no Afeganistão, somados.
A prefeita Muriel Bowser também anunciou medidas como o fechamento de ruas, pontes sobre o rio Potomac e estações de metrô desde o fim de semana, para evitar a circulação próximo a locais importantes nesta quarta-feira. Toda a área ao redor do National Mall está fechada e com cercas desde sexta-feira, e assim permanece até a noite de quinta-feira. Ruas em toda a região estão bloqueadas e veículos que estavam estacionados nas proximidades foram checados.
Também na sexta foram fechadas 13 estações de metrô, e mais duas no sábado. Policiais de trânsito receberam reforço de colegas vindos de Baltimore, Nova York, Nova Jersey, Chicago, Nova Orleans, Houston, Denver e São Francisco.
Até mesmo companhias aéreas e o site de hospedagem Airbnb tomaram precauções. Além de banir pessoas identificadas como participantes dos distúrbios de 6 de janeiro, as aéreas reforçaram sua política de barrar qualquer pessoa que se recuse a usar máscaras de proteção facial a bordo. Dezenas já foram expulsas de voos nas últimas semanas.
Segundo especialistas em aviação, as regras são ainda mais restritas do que aquelas impostas após os atentados em Nova York em 11 de setembro de 2001.
Já o site de hospedagens Airbnb cancelou todas as reservas de casas e apartamentos em Washington DC para evitar a hospedagem de pessoas ligadas a grupos extremistas, que poderiam estar planejando algum ataque durante a posse.
Checagem interna
O secretário da Defesa interino disse na segunda-feira que o Exército e o FBI investigaram cada um dos soldados da Guarda Nacional, que portam armas automáticas, para averiguar se algum deles representa uma ameaça. Após a apuração, 12 soldados foram removidos da cerimônia, entre ele pelo menos dois com possíveis ligações com a extrema direita.
Há anos discute-se no país a presença do extremismo e da supremacia branca entre as forças de segurança. A preocupação aumentou ainda mais depois que a polícia e os militares dos Estados Unidos passaram a apurar relatos que indicam que membros de suas instituições estiveram envolvidos na invasão ao Capitólio em 6 de janeiro.
Sem aglomeração
A cerimônia de 2021 também será muito diferente das anteriores por conta da pandemia de Covid-19. Diferente de anos anteriores, a multidão que acompanha a posse nas áreas ao redor do Capitólio foi aconselhada a ficar em casa. Normalmente, os membros do Congresso ainda recebem dezenas de ingressos para a área especial do evento. Desta vez, cada um dos congressistas poderá levar apenas um acompanhante.
Ao fim da cerimônia no Capitólio, geralmente é organizada uma parada até a Casa Branca, na qual a multidão acompanha o presidente em seu deslocamento. A tradição foi substituída por uma ‘parada virtual’, que será transmitida em rede nacional e contará com a participação remota de pessoas de todo o mundo.
Além disso, a Casa Branca cancelou os muitos bailes e festas de recepção que são organizados após a posse para celebrar o novo presidente. Em 2021 serão realizados eventos virtuais, com shows musicais com artistas como Justin Timberlake e Lady Gaga.
Mudança radical
Biden, um senador democrata veterano que se tornou vice-presidente de Barack Obama, viajou para Washington nesta terça-feira com sua esposa, Jill Biden, a partir de sua cidade natal, Wilmington, Delaware.
Junto com sua futura vice-presidente, Kamala Harris, a primeira mulher a ocupar o cargo, Biden planeja um discurso sobre a crise da Covid-19 no Reflecting Pond do Lincoln Memorial além de fazer um apelo à união dos americanos. Ele também está pronto para anunciar uma mudança radical na política do país, afastando-se da “Estados Unidos Primeiro” (“America First”, no original) de Trump.
A primeira coisa será voltar à tradicional construção de alianças. Essa política começará com o retorno dos Estados Unidos ao Acordo de Paris sobre o clima desde “o primeiro dia de mandato”.
Os apelos para o otimismo do democrata de 78 anos colidem, no entanto, com a dura realidade de múltiplas crises. A pandemia está fora de controle, a distribuição de vacinas segue lenta e a recuperação econômica, na corda bamba. A rejeição de Trump de aceitar os resultados das eleições presidenciais de novembro irritou boa parte dos americanos.
Biden prestará juramento ao meio-dia desta quarta-feira, encerrando a presidência de Trump e permitindo aos Estados Unidos virarem a página de alguns dos anos mais turbulentos e divisivos desde a década de 1960.