Trump volta com sangue nos olhos, e já dá indícios de um governo controverso
Ele retorna como foi embora, só que mais experiente e mais seguro de si

No ambiente rarefeito da geopolítica, o acontecimento mais impactante deste 2024 que se vai é a eleição de Donald Trump para mais quatro anos na Casa Branca, um feito capaz de transformar os Estados Unidos e reverberar em todos os cantos do planeta. Trump volta com vigor renovado. Mais uma vez subestimado nas pesquisas eleitorais, converteu a previsão de disputa acirradíssima contra a democrata Kamala Harris em vitória confortável e inapelável não só no Colégio Eleitoral como no voto popular, uma conjunção que não acontecia no campo republicano há duas décadas. Indo além, impulsionou os candidatos do partido — sobre o qual hoje reina absoluto — nos estados com força suficiente para conquistar maioria na Câmara e no Senado. Com a agressividade do punho em riste e rosto ensanguentado, imagem patenteada após sofrer um atentado em campanha, tomará posse em 20 de janeiro, aos 78 anos, como o primeiro presidente desde Grover Cleveland (1837-1908) a deixar uma derrota no retrovisor e se reerguer quatro anos mais tarde.
Trump volta como foi embora, só que mais experiente e mais seguro de si. Uma vez eleito, reforçou que cumprirá integralmente as promessas de campanha: deportação de imigrantes ilegais (“a maior da história”), corte geral de impostos, imposição de tarifas sobre todas as importações, desmonte de agências reguladoras, guerra total ao woke — hoje o maior pecado capital na visão republicana. Priorizando a lealdade sobre a competência, preencheu seu gabinete com nomes para lá de controversos — Pete Hegseth, apresentador da Fox News, levou a Defesa; e Robert F. Kennedy Jr., ativista antivacinas, arrematou a Saúde, entre outros. Sem falar em Elon Musk, o bilionário disruptivo, promovido a conselheiro preferencial da República. Tudo o que se viu no curso do ano, principalmente depois de fechadas as urnas, aponta para uma virada crucial: quem mudou não foi Trump, mas sim os americanos, mais conservadores e irritados com a ordem das coisas — a economia, em particular — do que nunca.
Publicado em VEJA de 20 de dezembro de 2024, edição nº 2924