Suíça envia ao Brasil documentos de esquema de corrupção na Venezuela
Dirigentes chavistas teriam usado empresas brasileiras para desviar mais de 80 milhões de reais - parte desses recursos acabaram em contas secretas na Suíça
O Tribunal Federal da Suíça informou nesta sexta-feira a autoridades brasileiras que enviou ao país extratos de contas e documentos de operações financeiras que podem ser o elo entre propinas pagas por empresas brasileiras à estatal venezuelana PDVSA e à cúpula do governo de Hugo Chávez. A decisão de enviar os documentos para procuradores do Rio Grande do Sul, responsáveis pelo início das investigações do caso, foi tomada no dia 24 de outubro, mas só foi divulgada nesta sexta-feira.
Na origem do esquema, estava a PDVSA Agrícola, braço da gigante estatal do setor de petróleo que expandiu sua atuação para outros setores da economia durante a presidência de Hugo Chávez. Dirigentes chavistas teriam usado um esquema no Brasil para desviar mais de 80 milhões de reais – parte desses recursos acabaram em contas secretas na Suíça.
O esquema envolvia a exportação de insumos e máquinas agrícolas superfaturados para a Venezuela. A diferença de valores foi parar no bolso de diretores de estatais venezuelanas e alimentou pelos menos quatro empresas offshore. A suspeita, porém, é de que a operação no setor agrícola seja apenas uma parcela de um esquema mais amplo da atuação da PDVSA no Brasil, inclusive com construtoras nacionais.
Um dos suspeitos nessa aproximação entre as empresas nacionais e a PDVSA é o operador Osvaldo Basteri Rodrigues. Seria ele também quem cobraria as propinas que, em seguida, eram distribuídas à chefia da estatal. Os detalhes de suas contas na Suíça estarão à disposição dos procuradores brasileiros, que poderão examinar quem pagou e para onde foi o dinheiro.
Investigadores envolvidos no caso confirmaram que a Odebrecht foi uma das empresas citadas como tendo sido procurada por Rodrigues. O projeto envolvia uma oferta da Venezuela para que a empresa brasileira construísse usinas de etanol no país vizinho.
Em 2007, Havana e Caracas fecharam um acordo para construir 11 usinas de etanol na Venezuela, mas a cooperação não deu resultados e a empresa brasileira foi procurada para completar as obras. A Odebrecht se recusou a comentar o caso.
Em 2007, os governos de Cuba e da Venezuela fecharam um acordo para construir onze usinas de etanol no país de Hugo Chávez. Um ano antes, o então líder venezuelano criou um projeto para plantação de 300 mil hectares de cana, tendo em vista a produção de etanol. Mas a cooperação entre Havana e Caracas não teria dado o resultado esperado, e a empresa brasileira foi procurada para completar as obras.
Procurada, a Odebrecht se recusou a comentar a informação.
De acordo com documentos obtidos em abril de 2018, “o Procurador-Geral da Suíça autorizou a transmissão a documentação” de Rodrigues a autoridades do Brasil. Mas um recurso foi apresentado pela defesa dos suspeitos, tentando impedir a colaboração. Eles alegavam que o caso precisava ser “suspenso” e que a cooperação deveria ser rejeitada diante da falta de provas.
No final do mês passado, porém, o Tribunal julgou que “o recurso era inadmissível”. O Departamento de Polícia do Escritório Federal de Justiça da Suíça, então, confirmou que os dados das contas de Rodrigues foram repassados ao Brasil. “Em uma carta datada em 7 de novembro de 2018, o Escritório Federal de Justiça enviou os documentos às autoridades brasileiras”, indicou um comunicado do governo suíço.
O processo começou em 2014, quando a Receita Federal suspeitou de um súbito crescimento de uma empresa de Passo Fundo (RS). Entre 2010 e 2011, a receita da América Trading aumentou de 13 milhões de reais para 251 milhões de reais com exportações de produtos agrícolas para a Venezuela.
Segundo a Polícia Federal, a América Trading havia conseguido um contrato para fornecer insumos agrícolas para a estatal venezuelana no valor de 320 milhões de dólares. Cabia à empresa brasileira comprar máquinas no mercado doméstico, exportar para a Venezuela. Em Caracas, quem recebia a mercadoria e a repassava para a estatal era a Tracto América.
As investigações revelaram que o dono da América Trading era sócio oculto da Tracto América, em Caracas. Com detalhes de pagamentos, a cooperação entre Brasil e Suíça começou em setembro de 2017, quando a Procuradoria da República no Rio Grande do Sul pediu ajuda aos suíços.
Documentos do Tribunal Penal Federal (TPF) da Suíça mostram que, entre 2011 e 2012, mais de 80 milhões de reais foram distribuídos de forma ilegal em contas no exterior. Mas, até o ano passado, no momento da operação, não se sabia qual o destino dos recursos. Agora, os investigadores conseguiram ligar parte dos recursos a funcionários do alto escalão da PDVSA Agrícola.
“A investigação revelou um sofisticado sistema de fraude ligado à exportação de máquinas e produtos agrícolas superfaturados vendidos à estatal venezuelana, implementados por transações bancárias complexas com o objetivo de ocultar a origem e o destino dos valores ilícitos”, apontou o TPF.
Em outubro de 2017, as contas bloqueadas na Suíça tinham 11,1 milhões de reais. Elas estavam em nome de um operador da PDVSA, com base em São Paulo. Por estar sob investigação, os suíços mantêm seu nome em sigilo. Uma segunda conta, em nome do mesmo operador, revelou novas transferências entre maio de 2013 e fevereiro de 2016, quando foi encerrada.
Os investigadores também concluíram que o dinheiro que chegou não ficou na Suíça. Eles identificaram pelo menos quatro empresas offshore que estavam recebendo depósitos. Todas essas empresas são ligadas à cúpula chavista da PDVSA. A suspeita é a de que o dinheiro era dividido entre o operador no Brasil, a empresa exportadora que ganhou os contratos e os funcionários de alto escalão da PDVSA Agrícola.
A América Trading foi procurada, mas não atendeu às ligações da reportagem. O site da empresa, com sede em Passo Fundo, está fora do ar. A PDVSA também não respondeu aos pedidos de comentário.
(Com Estadão Conteúdo)