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Simpatia entre Bolsonaro e Trump não garante acordos necessários

Setor empresarial espera diretrizes sobre futuras negociações para dar impulso ao comércio e aos investimentos; EUA só têm como foco a Venezuela

Por Denise Chrispim Marin Atualizado em 30 jul 2020, 19h52 - Publicado em 15 mar 2019, 07h00

A sintonia entre os presidentes Jair Bolsonaro e Donald Trump será testada na terça-feira, 19, quando o americano receber o brasileiro no Salão Oval da Casa Branca. O encontro já tem um efeito preanunciado — o Acordo de Salvaguardas sobre a Base de Lançamento de Alcântara —, que colocará o Brasil em um mercado que movimentou 3 bilhões de dólares em 2017. Ir além disso e engajar as economias dois países em um círculo de integração maior, porém, é algo que nem a simpatia pessoal nem a afinidade ideológica entre seus líderes poderá garantir.

Brasil e Estados Unidos mantêm uma integração razoável nas áreas de comércio e investimento, impulsionada especialmente pelos setores privados de ambos os lados. Poderia ser mais promissora se, nos últimos 20 anos, seus governos tivessem se comprometido com essa agenda econômica. No entanto, nenhum acordo vigoroso saiu da amizade entre Bill Clinton e Fernando Henrique Cardoso, nos anos 1990, nem da estranha afinidade entre George W. Bush e Luiz Inácio Lula da Silva.

“Estados Unidos e Brasil nunca foram parceiros realmente sérios. Nunca houve hostilidade entre os dois países, mas as promessas de parcerias estratégicas nunca foram cumpridas”, constatou Peter Hakim, do think tank Diálogo Interamericano, de Washington.

Para Diego Bonomo, gerente executivo de Assuntos Internacionais da Confederação Nacional da Indústria (CNI), a relação bilateral é marcada por uma demanda reprimida de acordos que, se firmados, poderiam dar um salto na integração econômica. O Brasil nunca chegou a ser um protagonista no comércio internacional. Mesmo assim, no ano passado, exportou para os Estados Unidos 31,2 bilhões de dólares em produtos, em sua maioria manufaturas, e importou dessa economia 39,5 bilhões de dólares, sobretudo insumos e bens de capital para seus setores produtivos, segundo o US Census Bureau.

Os Estados Unidos se tornaram, para empresas brasileiras, o principal destino de seus investimentos produtivos. O Brasil injetou, até 2017, um total de 42,8 bilhões de dólares, o que o colocou no 16º lugar entre as fontes de investimento direto. Em especial, nos setores de siderurgia, carnes e frutas cítricas. O país comandado por Donald Trump, por sua vez, continua a ser o maior investidor na área produtiva brasileira, com 106 bilhões de dólares.

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Os brasileiros em visita à Flórida, depois de deflagrada a crise financeira de 2008, estiveram entre os principais responsáveis pela recuperação econômica mais rápida desse estado. O fluxo de turistas aos Estados Unidos continua aquecido. Em 2017, o Escritório Nacional de Viagens e Turismo registrou a chegada de 1,9 milhão de brasileiros que, no total, gastaram 11,5 bilhões no país. A vinda de americanos ao Brasil continua menos pujante, com 475.000 chegadas no mesmo período, segundo o Ministério do Turismo, mas promissora.

Para Bonomo, esses números poderiam ser bem mais expressivos há anos, se vários acordos estivessem em vigor. O de livre comércio, uma aspiração de longa data do setor empresarial de lado a lado, jamais chegou a ser lançado. O máximo tentado foi a negociação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), entre todos os países do hemisfério menos Cuba, que acabou enterrada por Brasil, Argentina e Venezuela em 2005.

Luiz Inácio Lula da Silva, então presidente da República, cumprimenta George W. Bush, presidente dos EUA, na Sala Oval da Casa Branca - 10/12/2002
Lula e Bush no Salão Oval da Casa Branca: estranha afinidade – 10/12/2002 (Ed Ferreira/Você S.A/Dedoc)

O acordo de investimentos concluído no fim dos anos 1990 acabou rechaçado pelo Congresso brasileiro. A negociação do fim da dupla tributação de empresas e pessoas físicas ressurgiu várias vezes, mas até o momento não foi bem-sucedida. Isso significa que empresas de lado a lado estão ainda sujeitas a entraves e a custos mais altos para fechar negócios.

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Nesta década, apenas alguns acertos menores, porém importantes, entraram em vigor. O Acordo dos Céus Abertos, da era de Barack Obama e Dilma Rousseff, acabou com entraves para o trânsito de aeronaves civis entre os dois países. No ano passado, Na era de Michel Temer e Trump, a entrada em vigor de um acordo previdenciário reduziu em até 70% o custo de empresas brasileiras e americanas com a seguridade social. Em 2014, um acerto entre Brasília e Washington pôs fim definitivo ao contencioso sobre o comércio do algodão.

Página virada

Com a assinatura do Acordo de Salvaguardas sobre a Base de Lançamento de Alcântara, o Palácio do Planalto propõe romper com essa longa tradição de aproximação cautelosa e de acertos de abrangência limitada. Não haverá outros acordos a ser anunciados ou assinados em Washington. Mas há expectativa de que a declaração final do encontro traga diretrizes claras e mais ambiciosas para a relação bilateral.

Um tópico alentador nesse documento seria o apoio dos Estados Unidos ao ingresso do Brasil na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Brasília enviou seu pedido de adesão em 2017, mas Washington tem travado seu ingresso e o de outras economias emergentes, como a Argentina. O Brasil já participa de quase todos os comitês da OCDE, mas sua adesão integral deverá forçar o governo a acelerar a sua agenda de reformas estruturais, explicou Bonomo.

A CNI espera ver mencionada a esperança de conclusão, até o fim deste ano, do acordo de facilitação de comércio, atualmente em negociação entre a Receita Federal e a aduana dos Estados Unidos. Se concluído, permitirá a empresas certificadas o acesso a um canal mais rápido de liberação de suas mercadorias.

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Também se espera o impulso às conversas sobre um acordo de investimentos, iniciadas no ano passado, à retomada de negociações sobre o fim da dupla tributação e à maior integração das indústrias de Defesa.

Fora da declaração, o toma lá dá cá setorial poderá trazer boas notícias para ambos os lados. O Brasil pleiteia a retirada de seus embarques de aço e de alumínio das sobretaxas e cotas impostas pelos Estados Unidos em 2018 e também a retomada de suas exportações de carne bovina in natura. A abertura do mercado americano a frutas, como o melão, também será bem-vinda. Washington quer o aumento da cota brasileira de importação de seu trigo e a redução da tarifa que incide sobre o seu etanol.

No meio dessas discussões há 1,4 milhão de brasileiros residentes — legalmente ou não — nos Estados Unidos. Parte desses nacionais é indocumentada e se arrisca à deportação, se apanhada pelas autoridades migratórias. Tradicionalmente, o Itamaraty os trata sem distinção e recusa-se a denunciá-los aos agentes locais. O chanceler Ernesto Araújo, porém, indicou uma possível mudança nessa linha. Está em estudo no ministério o fim da Autorização de Retorno ao Brasil (ARB), documento consular que o brasileiro sujeito a deportação atualmente tem de assinar.

Valores cristãos

No Itamaraty, os setores menos deslumbrados ante a aproximação com os Estados Unidos esperam que a retórica da “convergência de valores ocidentais e cristãos” dos dois governos se traduza em negociações para valer que atendam aos interesses pragmáticos brasileiros. A visita a Trump será a primeira de Bolsonaro a um chefe de Estado e deverá dar o tom de sua diplomacia presidencial, ainda desconhecida de todos. Pode abrir avenidas de cooperação. Mas pode resultar em pouca coisa.

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Segundo um observador do governo, a relação Brasil-Estados Unidos continua marcada pelo reflexo condicionado da Guerra Fria. Por décadas, Brasília viu Washington como uma ameaça a seus interesses, que teriam de ser perseguidos de forma autônoma.

A Casa Branca ainda vê o Brasil como parte de seu quintal e mantém expectativa exagerada de alinhamento automático do país a suas posições na seara externa.

“Estamos conseguindo nos desvencilhar desse reflexo condicionado, mas de maneira equivocada, nos jogando no colo dos americanos, que ainda mantêm seu reflexo condicionado da Guerra Fria”, afirmou.

Para Peter Hakim, o pragmatismo dos Estados Unidos será expresso, durante o encontro Trump-Bolsonaro, na sua expectativa de apoio do Brasil a uma maior pressão sobre o regime de Nicolás Maduro, da Venezuela, e às políticas americanas para criar mais dificuldades para Cuba. Também é esperada a adoção, por Brasília, de dificuldades para o ingresso no país de investimentos chineses.

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A Casa Branca está ciente da resistência brasileira à imposição de mais sanções ao país sul-americano, que se traduziriam em mais miséria para os venezuelanos, e a aventuras militares para forçar a queda de Maduro. Mas espera que expoentes das Forças Armadas do Brasil se engajem em conversas com militares venezuelanos, para convencê-los a abandonar Maduro.

No caso da China, o próprio Bolsonaro parou de repetir bravatas que podem afetar os investimentos em infraestrutura no país e prometeu uma visita a Pequim no segundo semestre. Dificilmente será cobrado por Trump, sob pena de ouvir a gritaria do setor privado brasileiro ao retornar a Brasília.

“A melhoria das bases da relação econômica, que dependem da redução do protecionismo brasileiro, e a convergência dos dois países em questões de mudança do clima, de imigração e de China serão bem-vindas para Washington”, disse Hakim. “Mas a Venezuela é o maior interesse de Trump ao receber Bolsonaro.”

Hakim reconhece que Trump e Bolsonaro têm muito em comum. A afinidade entre ambos é bem possível, em especial se a tradução português-inglês não irritar o líder americano. O que pode atrapalhar mesmo é a insistência do Brasil em encontrar-se em Washington, possivelmente mais de uma vez, com Steve Bannon, assessor político da extrema direita que apoiou a eleição de Trump, virou seu estrategista-chefe e acabou escorraçado da Casa Branca.

Para o presidente do Diálogo Interamericano, Bolsonaro deveria fixar-se em três autoridades: o secretário de Estado, Mike Pompeo, o conselheiro de Segurança Nacional, John Bolton, e o senador republicano Marco Rubio, da Flórida. “Também deveria dar-se conta de que Trump não está diante de grandes problemas dos Estados Unidos. Bolsonaro, ao contrário, terá de se ver com problemas estruturais do Brasil.”

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