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Ser ou não ser Europa?

Sem conseguir concretizar o Brexit, Theresa May anuncia que vai embora. Ninguém arrisca prever como — e se — seu sucessor fará o divórcio da União Europeia

Por Caio Mattos
Atualizado em 4 jun 2024, 16h03 - Publicado em 31 Maio 2019, 07h00

Depois de passar meses tentando empurrar seu acordo para o divórcio entre o Reino Unido e a União Europeia goela abaixo de um recalcitrante Parlamento, a primeira-ministra Theresa May enfim jogou a toalha e anunciou um cronograma para sua saída. Em 7 de junho ela abdicará da liderança do Partido Conservador. Três dias depois, abre-se a corrida pelo cargo e, por tabela, pelo comando do governo britânico, uma disputa acirrada que só deve produzir vencedor no fim de julho. Depois de três anos ocupando a casa 10 da Downing Street, em Londres, May sai desaprovada por 49% da população, segundo pesquisa da consultoria YouGov, e com fama de dirigente que rachou o partido e o país por ser incapaz de cumprir a única tarefa que importava em seu mandato: fazer andar o Brexit.

Entre mais de uma dezena de candidatos ao posto, o mais cotado no momento (49% nas bolsas de apostas) é o descabelado e excêntrico ex-prefeito de Londres e ex-ministro das Relações Exteriores Boris Johnson. Conhecido por circular de bicicleta, cometer gafes e falar o que vem à cabeça — já comparou as muçulmanas que andam só com os olhos de fora a “caixas de correio” —, Johnson deixou o governo no ano passado para firmar sua posição de pró-Brexit radical. Para ele, se não houver acordo, o jeito será sair da União Europeia na raça mesmo. “Ele esbanja comportamentos polêmicos”, afirma Elvire Fabry, cientista política do Instituto Jacques Delors, com sede em Paris. Mas, segundo Elvire, o fator preponderante na escolha do novo primeiro-ministro será “a determinação em provar que não se intimida diante dos europeus”.

Ser ou não ser a favor do Brexit “duro”, ou seja, sem acordo — eis a questão que atormenta os deputados. Desde que a separação foi aprovada por 52% a 48% dos votos, em 2016, os políticos em geral, e os conservadores em particular, por serem governistas, agem como baratas tontas, procurando um jeito de sair tanto da União Europeia quanto da complicação em que se meteram. May passou quase três anos negociando um combinado com os europeus. Ele foi derrotado em três votações em Westminster. Uma parte dos parlamentares insiste para que se alcance um pacto, outra parte fala em novo referendo, há quem apoie nova eleição geral. Boris Johnson e companhia querem ver o circo pegar fogo.

Boris Johnson
O MAIS COTADO – Johnson: descabelado, falante e linha-dura no Brexit (Max Rossi)

Esse pelotão, digamos, de raiz provou sua força na recente eleição para o Parlamento Europeu (veja a reportagem). O Partido Brexit, criado só para aquela votação, ganhou no Reino Unido com quase 32% dos votos. Em seguida veio a eterna terceira opção dos britânicos, o Liberal Democrata, seguida pelos trabalhistas. O Partido Conservador ficou em um distante quinto lugar, atrás dos verdes. Parece complicado? Pois juntando os partidos contra e os a favor do Brexit ganhou… quem é contra.

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A votação para o Parlamento Europeu não reflete a realidade do Reino Unido. Qualquer eleição geral provavelmente se dividirá entre trabalhistas e conservadores, como sempre. Mas os votos mostraram quanto a população está farta da política parlamentar. O prazo para o divórcio acaba em 31 de outubro (o inicial, 29 de março, já foi adiado duas vezes). Se assumir no fim de julho e tiver de esperar o encerramento das férias de verão, com os órgãos públicos fechados, para só então buscar algum consenso palatável, o novo primeiro-ministro terá prazo curtíssimo para resolver uma pendenga hamletiana. “E não existe nenhuma garantia de conseguir uma nova prorrogação”, diz Nicholas Wright, do University College London.

Mais complicado ainda será se o vencedor for favorável ao Brexit na raça, como Boris Johnson — que na quarta-­feira 29 foi convocado a depor perante um tribunal sobre a denúncia de uso de dados inverídicos na campanha pelo Brexit, em 2016. O Parlamento britânico já votou inapelavelmente contra a saída sem acordo. Caso o novo premiê siga em frente nesse propósito, poderá levar a eleições antecipadas. Ou a um segundo referendo. Ou a mais uma rodada de votações sem resultado concreto. Ou seja, com ou sem May, continuarão os raios e trovoadas. Ainda bem que a população já está acostumada.

 

 

Publicado em VEJA de 5 de junho de 2019, edição nº 2637

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