Segredos e excentricidades marcam ditadura de Kim na pobre Coreia do Norte
Enquanto 40% dos norte-coreanos precisam de ajuda humanitária, líder se refestela com caviar, bife Kobe, 100 carros, 17 palácios e compras de lingeries
Kim Jong-un pode ser um dos mais conhecidos – e temidos – líderes mundiais, mas muitos detalhes sobre sua vida e família permanecem um mistério para a maior parte do mundo. Rumores sobre o estado de saúde do ditador reacenderam dúvidas sobre a monarquia familiar que governa a Coreia do Norte e seus segredos.
Quando Kim ainda uma criança e seu pai, Kim Jong-il, governava, o regime circulava mitos sobre suas habilidades e personalidade a fim de construir um culto popular em torno do futuro líder. A população foi convencida a acreditar que o pequeno ditador aprendeu a disparar uma arma aos 3 anos de idade e a dirigir um caminhão militar em alta velocidade aos 8 anos, sem que evidências fossem igualmente divulgadas.
Porém, mesmo após assumir o controle do país com a morte do seu pai, em 2011, Kim permanece uma incógnita para muitos dentro e fora das fronteiras norte-coreanas. Ainda que tenha ficado conhecido por alguma nota de carisma imperceptível aos olhos ocidentais e pela abertura dos diálogos com os Estados Unidos e a Coreia do Sul após décadas de tensão, muitos detalhes de sua vida pessoal ainda permanecem desconhecidos.
Saúde
No início da semana, a emissora americana CNN confirmou com fontes do Departamento de Inteligência dos Estados Unidos que Kim estava em estado grave após uma cirurgia cardiovascular no início de abril. O jornal sul-coreano Daily NK, especializado na cobertura da Coreia do Norte, também afirmou que o ditador estava recebendo tratamento de saúde em um resort no Monte Kumgangsan, na costa leste do país.
Ainda segundo o NK, a saúde de Kim teria se deteriorado nos últimos meses devido ao tabagismo, à obesidade e às longas horas de trabalho. Especulações aumentaram após o ditador ter se ausentado das festividades de 15 de abril, aniversário do avô, Kim Il-sung, fundador da Coreia do Norte, morto em 1994. A última vez que o líder foi visto se deu quatro dias antes, em uma reunião do governo.
A informação foi desmentida por autoridades da Coreia do Sul e da China, mas ainda assim gerou grande especulação mundial sobre o futuro da Coreia do Norte. O regime ainda não se pronunciou oficialmente sobre as condições de saúde do Líder Supremo.
Esta não é a primeira vez que relatos contraditórios confundem a comunidade internacional. Em 2014, Kim ficou fora dos holofotes por quase seis semanas, despertando rumores sobre sua morte. Passado um mês, contudo, o líder reapareceu usando uma bengala. A Inteligência sul-coreana afirmou que ele havia passado por uma cirurgia para remover um cisto do tornozelo, mas o governo norte-coreano nunca esclareceu a questão.
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Kim nasceu quando seu avô e fundador do regime, Kim Il-sung, ainda era líder. Quando criança, estudou em um internato na Suíça, onde aprendeu inglês e morou na casa de seus tios. Segundo colegas de classe, o norte-coreano sempre foi muito tímido e passava a maior parte do tempo dentro de seu quarto. Ele costumava se vestir com roupas esportivas e tênis Nike.
Após retornar à Coreia do Norte, estudou em uma universidade militar local. Quando seu pai estava próximo da morte, Kim foi rapidamente promovido na hierarquia política e militar do país e, assumir a liderança do país, envergava quatro estrelas em seu uniforme de general e acumulava as posições de vice-presidente da Comissão Militar Central do Partido dos Trabalhadores (PTC) e de membro do Comitê Central.
Descendentes
Kim Jong-un assumiu o comando da Coreia do Norte em 2011. Até hoje, contudo, o regime norte-coreano nunca divulgou quem tomaria seu lugar como sucessor. Não está claro se Kim, de 36 anos, tem filhos, já que ele jamais apareceu em público ao lado de familiares, além de sua mulher e sua irmã. Os serviços de inteligência da Coreia do Sul, contudo, apontam ele ter três filhos ainda crianças, entre 2 e 10 anos de idade.
Como os herdeiros ainda são muito novos para assumir o poder, especula-se que sua irmã mais nova, Kim Yo-Jong, de 31 anos, poderia ter o direito de comandar o país no caso da morte do ditador, em uma sucessão claramente monárquica.
Kim Yo-Jong tem sido a presença mais visível ao lado do ditador nos últimos dois anos, desde que representou seu país nas Olimpíadas de Inverno de Pyeongchang, na Coreia do Sul. Formalmente, ela é vice-diretora do poderoso Comitê Central do Partido dos Trabalhadores (PTC), mas atua extra-oficialmente como chefe de gabinete de seu irmão.
Casamento
Kim é casado com Ri Sol-ju, nascida em família da elite do país. A primeira-dama teria entre 30 e 35 anos – a data de seu nascimento é outro dos mistérios no país – e assumiu um papel mais proeminente e de destaque do que as esposas dos comandantes anteriores da Coreia do Norte.
Ri Sol-ju acompanhou o ditador em alguns de seus encontros com representantes de Seul e, inclusive, foi fotografada em um jantar com o presidente sul-coreano Moon Jae-in e sua mulher, em 2018. Sua presença constante em público a levou a ser chamada de “respeitada primeira-dama” pela imprensa estatal norte-coreana, um título mais honroso do que o de “companheira”, usado pelas suas antecessoras. Ela é a primeira a ter esse privilégio desde Kim Song-ae, a mulher do fundador da Coreia do Norte.
Há poucas informações sobre a história de Ri e de sua família. Segundo a Inteligência sul-coreana, ela é parente de um dos conselheiros militares de Kim Jong-un e filha de um professor universitário com uma médica. Há relatos também de que ela fazia parte do time oficial de cheerleaders, as moças que fazem coreografia em partidas esportivas, da Coreia do Norte.
O casamento com Kim foi arranjado pelo pai do ditador, Kim Jong-il, quando ele ainda era o chefe de Estado. Ri Sol-ju supostamente deu à luz a seu primeiro filho em 2010. O casal teria tido também uma menina em 2014 e um terceiro filho em 2017.
Irmãos mais velhos
Kim Jong-un tem um irmão e um meio-irmão mais velhos. Kim Jong-chol é filho de Kim Jong-il com a mãe do atual ditador, Ko Young-hee. Apesar de ser o sucessor por direito, ao trono do pai, foi impedido por não ter o “perfil” de um governante. Desde então, ele apareceu pouquíssimas vezes em público e quase nada se sabe sobre sua vida. Segundo a imprensa internacional, Jong-chol é fanático pelo músico Eric Clapton e viaja o mundo se hospedando em hotéis caríssimos, seguindo as turnês do britânico.
O outro irmão mais velho do ditador era Kim Jong-nam, filho de Kim Jong-il com uma de suas amantes, a atriz norte-coreana Sung Hae-rim. Entre 1994 a 2001, ele foi considerado o herdeiro de seu pai e o próximo líder da Coreia do Norte. Porém, depois de uma tentativa fracassada de entrar no Japão com um passaporte falso para visitar a Disneylândia de Tóquio, em maio de 2001, saiu rapidamente da linha sucessória.
Jong-nam acabou assassinado no aeroporto de Kuala Lumpur, na Malásia, em fevereiro de 2017. As circunstâncias da morte nunca foram esclarecidas e o crime é cercado de suspeitas. Alguns dias após sua morte, duas mulheres, uma indonésia e uma vietnamita, foram presas sob a acusação de terem envenenado Kim Jong-nam com um agente nervoso ao esfregar um pano com o líquido em seu rosto. O norte-coreano chegou a pedir assistência médica no aeroporto, antes de desmaiar e morrer de ataque cardíaco durante a transferência para o hospital.
A Coreia do Norte tentou impedir a Malásia de conduzir uma autópsia, insistindo que o corpo fosse entregue ao país. Pyonyang sustenta que a morte foi causada por um ataque cardíaco e acusa as autoridades malaias de conspiração.
Uma das mulheres acusadas pelo assassinato, a indonésia Siti Aisyah, de 25 anos, foi liberada da prisão e teve as acusações contra ela retiradas em maio de 2019. A vietnamita Doan Thi Huong, de 29, foi condenada a três anos de prisão. Em seus depoimentos, as duas se declararam inocentes e afirmaram que não sabiam que estavam envenenando o norte-coreano. As mulheres alegaram ter sido convencidas a colocar o pano no rosto de Kim Jong-nam pensando se tratar de uma pegadinha para uma televisão japonesa.
Paredão
Quando Kim Jong-un assumiu o poder, após a morte do seu pai, acreditava-se que sua tia Kim Kyong-hui e seu marido, Jang Song-thaek, o ajudavam nas principais tarefas do cargo, como tutores. Kim Kyong-hui é irmã do falecido líder Kim Jong-il e atualmente trabalha como secretária da Organização do Partido dos Trabalhadores.
Jang Song-thaek, contudo, foi preso por traição em 2013 e morto três anos depois por ordem do sobrinho. Segundo a emissora CNN, ele foi executado com tiros de arma de artilharia antiaérea.
As razões que levaram à sua execução não são totalmente claras, mas na época de sua condenação a imprensa norte-coreana o classificou como “traidor” por planejar um golpe contra o próprio sobrinho. Segundo o jornal japonês Nikkei Asian Review, Jang teria tramado um plano para depor Kim Jong-un com autoridades chinesas.
Vida de nababo
A maior parte da população vive em situação precária na Coreia do Norte. Relatório do Programa Alimentar Mundial (PAM) da Organização das Nações Unidas (ONU) publicado em 2018, mostrou que 40% dos norte-coreanos necessitam de ajuda humanitária. Nas áreas rurais e afastadas de Pyongyang, a situação de fome e miséria costuma ser mais perceptível.
Apesar da situação de seus cidadãos, o nababesco Kim Jong-un e sua família esbanjam gastos com bebidas e quitutes importados, carros e iates caríssimos e roupas de grife. A esposa do ditador só usa roupas de estilistas premiados e conceituados e já foi fotografada com uma bolsa Dior de 1.457 dólares (8.000 reais) – três vezes mais do que a renda média anual de um norte-coreano.
Kim Jong-un ainda gasta milhares de dólares todos os anos importando bebidas alcoólicas, cigarros e alimentos para ele desfrutar na Coreia do Norte. Entre as suas compras estão carne de porco de alta qualidade da Dinamarca, caviar do Irã, melão chinês e carne bovina Kobe, uma iguaria japonesa. O ditador ainda conseguiu gastar 921.712 dólares (mais de 5 milhões de reais na cotação atual) em café brasileiro somente em 2016.
Entre suas posses estão pelo menos 17 palácios e um iate equipado com peças da italiana Fendi, avaliado em 8 milhões de dólares (43,9 milhões de reais). Chegou a desembolsar 3,5 milhões de dólares (19,4 milhões de reais) em lingeries para suas amantes e para as mulheres dos seus generais.
Em suas moradias, o líder guarda uma coleção de mais de 35 de pianos, de acordo com a revista Time. Cada modelo pode custar até 64.451 dólares. Kim também coleciona carros e tem mais de 100 modelos em sua garagem. Sua marca favorita é a alemã Mercedes-Benz.
O ditador também investiu 35 milhões de dólares na construção de um resort de ski no país e tem uma sala de cinema particular com 1.000 lugares à sua disposição. Somente a decoração interna de seu avião particular custou 1,5 milhão de dólares – e o Líder Supremo ainda tem uma pista de pouso exclusiva para seu uso. Segundo desertores do regime, Kim ainda construiu um Instituto de Longevidade, onde mais de 100 médicos trabalham exclusivamente nos cuidados com sua saúde.
Cavalo branco
O ditador norte-coreano mantém um excêntrico costume de cavalgar Monte Paektu, considerado. A tradição, contudo, remonta a seus antecessores e está repleta de simbolismo: viagens até a montanha costumam preceder grandes anúncios.
Em dezembro do ano passado, a Coreia do Norte divulgou fotos de Kim em um cavalo branco, acompanhado de sua mulher e de outros oficiais. Dois meses antes, o líder já havia sido fotografado em cenas semelhantes. As imagens despertaram curiosidade da comunidade internacional e provocaram rumores de que o país passaria por mudanças, sejam quais fossem.
O último passeio a cavalo ocorreu quando a mídia estatal informou que haveria uma rara reunião dos líderes do partido no final de dezembro para discutir “questões cruciais” sobre “a situação alterada internamente e no exterior”. Porém, nenhum grande anúncio foi feito posteriormente e o objetivo da cavalgada ficou no ar.