Santiago Maldonado: o morto que entrou na campanha argentina
Um dia antes da eleição, grupos de oposição gritavam contra Macri na Praça de Maio
O veto à propaganda eleitoral começou na sexta-feira, dia 20, na Argentina. No sábado, 21, um dia antes das eleições legislativas, grupos que se declaravam de oposição levavam faixas para protestar contra as circunstâncias da morte do artesão Santiago Maldonado, cujo corpo reapareceu na terça 17 em um rio de Chubut, na Patagônia. Também mostravam cartazes pedindo a saída da ministra de segurança Patrícia Bullrich e cantavam contra o presidente Mauricio Macri:
“Os gorilas são assim / Todos amigos dos genocidas / Quando o governo anda mal / Mandam toda a polícia / Macri, você é um cagón (…) Foi você quem matou Maldonado”
“Gorila” é um termo comum usado pelos peronistas para atacar rivais.
Se é verdade que o corpo do artesão Maldonado apareceu em circunstâncias estranhas (quase dois meses depois de um enfrentamento entre índios mapuches e a polícia nacional, trezentos metros rio acima de onde ele desapareceu), o uso político do episódio recoloca a Argentina no realismo mágico.
Não há nada que indique que Macri tenha ordenado a morte do rapaz, de 28 anos. Descrito como tatuador, artesão, hippie, Maldonado nasceu na província de Buenos Aires e, há alguns meses, viajou para a cidade de El Bolsón, perto de Bariloche, conhecida pela comunidade hippie. Depois, foi para Cushamen, na província de Chubut.
Lá, Maldonado se juntou ao grupo de índios mapuches que têm feito bloqueios em rodovias para protestar contra vendas de terras durante o governo de Carlos Menem (1989-1999). Como dizem os argentinos, ele “aderiu à causa”. Os mapuches são os índios que mais se revoltaram contra a dominação espanhola e têm fama de violentos. Nos últimos anos, têm sido mais ativos no Chile. Mais recentemente, também começaram a fazer piquetes na Argentina.
No dia 1 de agosto, um grupo da polícia nacional, a Gendarmería, foi enviado para deslocar manifestantes mapuches que bloqueavam uma estrada. Em seguida, os policiais entraram em território mapuche e perseguiram os seus membros, que estavam encapuzados e reagiram.
Após a confusão, familiares avisaram que Maldonado estava desaparecido. Começaram as buscas mas, sempre que membros do governo ou de segurança entravam no território, eram atacados. O corpo só foi encontrado na última semana, quando os investigadores usaram cães farejadores. Também se suspeita que um dos líderes mapuches teria ligado para o juiz que cuida da causa para avisar sobre o achado.
Para os argentinos que protestam na Praça de Maio contra Macri, o corpo de Maldonado foi plantado pela Gendarmería e a afirmação de que não há lesões pelo corpo é mentirosa. “Alguma coisa aconteceu e, depois disso, colocaram o corpo lá. Seguramente, não foram os mapuches que fizeram isso, pois eles teriam defendido Maldonado”, diz Pedro Damián, coordenador do grupo Barrio de Pié, de La Matanza e que se diz de oposição.
Entre as hipóteses mais prováveis está a de que Maldonado, quando estava fugindo dos policiais, tentou cruzar o rio nadando, mas não conseguiu superar as correntes ou se achar na vegetação e acabou se afogando. Ele não sabia nadar.
Cinquenta peritos analisaram o corpo. Alguns deles, ouvidos pelo jornal Clarín, afirmaram que os sinais no corpo são compatíveis com “imersão entre 60 e 78 dias”. O cadáver teria ficado no fundo até que, por ação dos gases, começou a boiar. Com isso, acabou sendo descoberto.
As circunstâncias ainda não estão totalmente claras e haverá mais informação nova pela frente. O triste é que, na Argentina, os mortos sempre acabem virando cabos eleitorais. Em 2011, Cristina Kirchner se reelegeu usando a morte do marido, Néstor Kirchner, que morreu no ano anterior de ataque cardíaco.