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Saída americana do Afeganistão resulta em cenas de terror e desespero

A tensão no aeroporto de Cabul alcançou o ápice na quinta-feira 26, quando ataque terrorista deixou um rastro de mortes

Por Ernesto Neves Atualizado em 4 jun 2024, 13h02 - Publicado em 27 ago 2021, 06h00

Depois que os fanáticos religiosos do Talibã se apossaram do palácio presidencial e voltaram ao poder no Afeganistão, em 14 de agosto, o aeroporto da capital, Cabul, virou o cartão-postal da atabalhoada retirada das tropas americanas do país e de um drama humanitário que a cada dia ganha contornos mais cruéis. O que era para ser uma bem organizada partida, com data marcada havia um ano, ainda no governo Donald Trump, transformou-se em uma corrida para evacuar gente desesperada, sobretudo aqueles que ajudaram os Estados Unidos em duas décadas de ocupação, desde o fatídico 11 de setembro de 2001. Agora, estão cheios de medo — e com razão.

“O Talibã está enviando cartas ameaçadoras a todos que considera inimigos do regime”, disse a VEJA Chris­tian Nellemann, da consultoria Rhipto, centro de estudos noruegueses atrelado a causas da ONU. Ameaça, neste caso, é o melhor dos cenários. Nos últimos dias, integrantes da milícia radical batem de porta em porta nas casas dos “colaboracionistas”, com registros de espancamentos, tortura e até morte, como ocorreu com o parente de um jornalista alemão.

BARREIRA - A Grécia constrói muro: a ideia é evitar a vinda maciça de afegãos -
BARREIRA - A Grécia constrói muro: a ideia é evitar a vinda maciça de afegãos – (Nicolas Economou/Getty Images)

A tensão no aeroporto, onde já não havia comida nem água e o calor inclemente sufocava os milhares que aguardavam a chance de embarcar, alcançou o ápice na quinta-feira 26, quando duas explosões bem ali ao lado deixaram um rastro de mortes, inclusive de soldados americanos, em ataques que teriam sido executados por homens-bomba ligados ao Estado Islâmico. Em meio à agonia provocada pela escassez de tempo, fruto de uma operação mal calculada pelo governo Joe Biden, a Casa Branca cogitou esticar o prazo, na próxima terça-feira, 31, para a retirada total de suas tropas, mas os fundamentalistas refutaram bradando que atrasos trariam “consequências”. Em reunião virtual com Biden, líderes do G7, o grupo dos mais ricos, externaram a necessidade de expandir a janela que se fecha para tirar as pessoas da terra dominada pelos mulás. Não deu em nada.

Até agora, 82 000 conseguiram assento em aviões, mas o dobro disso solicitou vistos especiais para os Estados Unidos — o que dá uma dimensão do desafio por vir. A luta para embarcar começa nas estradas que levam ao aeroporto, vigiadas pelo exército talibã. Vencido o bloqueio, mesmo os que têm o visto para ir embora precisam furar a multidão — 21 já morreram nessa guerra à parte, espremidos em portões ou alvos de tiroteios. Famílias têm se separado, arranjando lugar em voos diferentes. Crianças às vezes acabam viajando sozinhas.

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Como costuma acontecer quando uma crise migratória se apresenta, as portas do mundo nunca se abrem na medida da demanda. De acordo com o secretário de Estado americano Antony Blinken, pelo menos treze países do Ocidente se prontificaram a ajudar, mas em muitos casos pairam incertezas sobre quantas pessoas acolherão e o tempo de permanência delas em seu território. “Mesmo quem conseguir chegar aos Estados Unidos poderá vir a enfrentar anos de processo legal até obter o asilo”, afirma Hemanth Gundavaram, da Universidade Northeastern. Os que rumarem para a Grécia, tradicional rota de ingresso à Europa, vão dar de cara com um muro de 40 quilômetros, recém-erguido justamente para barrá-los. Enquanto isso, o Talibã tenta dar roupagem moderna — posando com uniformes e rifles deixados para trás pelos americanos — àquilo que, na essência, não parece se distinguir da velha milícia que comandou o país entre 1996 e 2001. As mulheres já foram alertadas para não irem ao trabalho porque os soldados “não estão preparados para respeitá-­las”. Não se deram conta de que vivem no século XXI.

Publicado em VEJA de 1 de setembro de 2021, edição nº 2753

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