Portugal investe forte para atrair viajantes que gastam mais
Governo aplica recursos e estímulos no turismo de negócios, que vê como degrau para a ambicionada visita de luxo, também em ascensão

Já faz tempo que Portugal se transformou em um polo de turismo na Europa e este ano não foi diferente: o período entre março e agosto registrou o melhor semestre do setor em toda a história, com uma alta sem precedentes de 7,5%, que deve fazer com que o país supere o recorde anual de mais de 30 milhões de visitantes cravado em 2023. Problema: por causa dos preços módicos, as cidades portuguesas atraíram sobretudo o hoje muito criticado turismo de massa, do qual a Europa cada vez mais quer distância. Em Lisboa, por exemplo, não se dá um passo sem topar com um tuk-tuk, espécie de riquixá motorizado que aterroriza as ruelas estreitas e estaciona em qualquer lugar para oferecer a selfie perfeita aos passageiros, muitos vindos dos megacruzeiros que atravessam o Atlântico e param por alguns dias nas águas portuguesas — irritando a vida dos moradores. Preocupado em mudar esse estado de coisas, o governo investe recursos e estímulos no turismo de negócios, que vê como degrau para a ambicionada visita de luxo, também em ascensão.

A virada foi formalizada em 2017, em um programa de dez anos — Estratégia Turismo 2017 — para transformar Portugal em um dos destinos mais competitivos do mundo. Bem encaminhado, o projeto foi estendido até 2035, com objetivos mais ambiciosos e tendo Lisboa como centro do avanço. Pela localização, clima ameno e infraestrutura moderna, a capital ganha espaço no exigente nicho das viagens de negócios — segundo dados da Associação de Turismo de Lisboa, recebeu mais de 590 000 pessoas em 2 250 eventos no ano passado, posicionando-se em terceiro lugar no mundo em número de congressos, atrás apenas de Paris e Singapura. Um estudo mostra que 67% dos turistas de negócios estendem a permanência para uns dias de lazer — movimento decisivo para mudar o perfil dos visitantes. “Lisboa está cada vez mais na moda e não podemos deixar de aproveitar”, diz o prefeito, Carlos Moedas.
Faz sentido investir no upgrade: enquanto o viajante mochileiro gasta em média 71 euros por dia em Lisboa, considerando acomodação, transporte e alimentação, o chamado high end despende 400 euros. Segundo o chef João Sá, que conquistou sua primeira estrela Michelin em fevereiro com o SÁLA, 90% dos clientes hoje são estrangeiros que encaram uma lista de espera de um mês para degustar o menu de oito etapas, a 240 euros (1 540 reais) por comensal. “Me deixa feliz ver gente de fora experimentando o que temos a oferecer. Quando chegam por sugestão de outras pessoas então, é ouro sobre azul”, brinca, usando a expressão portuguesa para “maravilha”, inspirada nos azulejos azuis sobre talha dourada das igrejas barrocas. Contando o SÁLA, são 22 restaurantes lisboetas presentes no Michelin (no Brasil inteiro somam 21). Dois deles, o japonês Midori e o LAB by Sergi Arola, estão dentro do mesmo hotel, o Penha Longa, que foi um mosteiro no século XIV e um palácio de férias da realeza no século XVI. “Quem nos visita, seja o cliente corporativo ou uma família, preza pelo conceito de experiência”, explica Cecília Ferreira, coordenadora de marketing do resort cinco estrelas. Outro hotel, o Palácio Ludovice, situado na casa do arquiteto de Dom João V no século XVIII, une história, arquitetura e vinho — até o spa é focado em vinoterapia.

No ano passado, em que pela primeira vez a dívida pública portuguesa caiu abaixo de 100% do produto interno bruto e o superávit orçamentário foi o maior desde a queda da ditadura, em 1974, o turismo, segundo o Instituto Nacional de Estatística, respondeu por 16,5% do PIB e por metade do crescimento econômico de 2,3%. Lisboa conta com 44 hotéis cinco estrelas e mais quinze previstos até 2027. O número aumenta quando se fala da Grande Lisboa, que abrange Sintra e Cascais — com inauguração prevista para 2028, o Fasano vai desembarcar em uma propriedade na costa do Atlântico. Sofia Serpa, diretora do Sheraton, dono da vista mais alta da cidade (um dos poucos arranha-céus que destoam da paisagem local), confirma a transformação do perfil do turista em Portugal. “São principalmente americanos, algo que surgiu a partir da maior oferta de voos diretos, seguidos de europeus, entre eles britânicos, espanhóis e franceses.” Sim, os brasileiros continuam no top 10 da lista. Mas, com o euro em alta, andam controlando seus gastos.
Publicado em VEJA de 13 de dezembro de 2024, edição nº 2923