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Os impasses que ainda travam o acordo entre Mercosul e União Europeia

Como acontece sempre em negociações do gênero, o xis da questão é a simetria de ganhos — uma meta dificílima que tropeça nas políticas protecionistas

Por Amanda Péchy Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Luana Zanobia Atualizado em 18 dez 2023, 13h43 - Publicado em 9 dez 2023, 08h00

Na contagem regressiva para o final do ano, a economia brasileira emite alguns sinais preocupantes, com expectativa de crescimento menor do que o previsto do PIB, projeção de déficit público mais elevado e ameaça de aumento da inflação. Nessa maré de perspectivas desanimadoras, foi recebido com alívio e empolgação o anúncio de que a balança comercial acumulou um superávit de quase 90 bilhões de dólares até novembro, o melhor resultado para o período em toda a história. Empurrado por circunstâncias nem sempre controláveis, o desempenho do comércio exterior parece trilhar uma saudável rota ascendente — que se ampliaria consideravelmente com a sempre postergada assinatura do acordo de livre-comércio entre o Mercosul e a União Europeia, uma vigorosa ferramenta econômica cuja negociação se arrasta há mais de vinte anos. Por um momento neste início de dezembro, pareceu que o casamento se concretizaria na reunião de cúpula dos chefes de Estado sul-americanos no Rio de Janeiro, na quinta-feira 7. Infelizmente, foi alarme falso.

Enquanto o acordo com a UE não sai, a balança comercial segue se beneficiando do setor agropecuário, com destaque para soja, milho e café não torrado. A parcela do agro no último resultado do comércio exterior brasileiro foi de 76,32 bilhões de dólares, mais da metade do valor acumulado (veja o quadro). Apesar de os preços terem caído, o Brasil conseguiu capitalizar o aumento do volume das exportações, impulsionado por uma safra recorde e pela ocupação de espaços abertos por perturbações globais, como a guerra na Ucrânia, a seca na Argentina e a tensão entre Estados Unidos e China. “O aumento do consumo de carne bovina na China, fruto da recuperação pós-pandemia, também pesou de forma positiva na balança comercial brasileira”, diz Magno Gaia, CEO da Ramax, empresa de logística no ramo de proteína animal.

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No sentido oposto do pêndulo, as importações caíram — o que indica um enfraquecimento da indústria. “Cerca de 60% da importação brasileira é composta por insumos industriais. Quedas apontam para estagnação”, diz Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil. O setor é um dos que mais tirariam proveito do acordo Mercosul-UE, que prevê, de um lado, a eliminação de tarifas de importação sobre 92% dos produtos que o Brasil vende para a Europa e, de outro, a suspensão de taxas sobre 72% das mercadorias que vêm de lá para cá (essa, a parte que tira o sono dos industriais brasileiros).

Como acontece sempre que se negocia um acordo do gênero, o xis da questão é a simetria de ganhos — todo mundo tem de aproveitar igual, uma meta dificílima que, ainda por cima, tropeça nas onipresentes políticas protecionistas. Nos últimos meses, o presidente Lula, à frente do comando rotativo do Mercosul, encabeçou negociações intensas com os líderes europeus para ajustar espinhosas questões técnicas. Tome-se, por exemplo, a queda de braço em torno das licitações para obras públicas — enquanto a UE defende que suas empresas possam participar em pé de igualdade, Lula e os parceiros do Mercosul temem que a concorrência prejudique pequenas e médias companhias nacionais.

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AGRO NA FRENTE - Carregamento de soja para exportação: produtos agrícolas sustentam superávit (Claudio Neves/Portos do Paraná/.)

Outra pendenga é a insistência da Argentina em ter mais tempo para adaptar certos setores em que a Europa está bem mais avançada, como a indústria de veículos elétricos, aos prazos do pacto. Um ponto de atrito cercado de faíscas é a lei ambiental aprovada em abril na UE, que exige comprovação de origem de áreas livres de desmatamento para seis produtos — carne, soja, madeira, café, cacau e óleo de palma — exportados pelo Mercosul, um requisito que cheira a protecionismo e que, segundo o governo brasileiro, desequilibra todo o sistema de cotas do acordo. “Por mais que se arvorem de guardiões do meio ambiente, o que os europeus são mesmo é ferrenhos protecionistas”, disse a VEJA um diplomata próximo a Lula. A tesoura que desata esse nó passa por ajustes delicados. “Precisamos de um mecanismo que compense as perdas com outros produtos ou permita ao Mercosul reduzir a parcela de exportação dos europeus”, resume o ministro da Indústria e Comércio do Paraguai, Javier Giménez.

As tratativas se aceleraram após duas reuniões de cúpula dos interessados realizadas em julho, em Brasília e em Bruxelas. “Houve um entendimento de que valia a pena fechar o acordo, e começamos a fazer ao menos uma reunião a cada duas semanas”, disse a VEJA um funcionário do Itamaraty. O governo Lula previa a assinatura para selar com chave de ouro a cúpula no Rio, mas o trem descarrilou de vez com a eleição de Javier Milei na Argentina, que em campanha prometeu deixar o bloco sul-americano. Ao que parece, recuou: diplomatas disseram a VEJA que pessoas do entorno de Milei estavam dispostas a discutir o assunto, mas o governo que sai, de Alberto Fernández, eximiu-se de dar um passo tão decisivo a dias da posse do novo presidente.

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EMBARAÇOS - Jogando contra: Milei não é entusiasta do Mercosul e Macron (acima) não gosta do acordo proposto (Juan Mabromata/AFP; Nicolas Economou/NurPhoto/Getty Images)

Para enterrar de vez a chance do “sim” no Rio de Janeiro, o presidente da França, Emmanuel Macron, declarou no sábado 2 ser “totalmente contra” o acordo — o que não é novidade, mas não precisava ter sido expressado naquele exato momento. Diante do impasse, os negociadores desistiram de uma reunião presencial já marcada e reduziram a zero a chance de assinatura imediata. Diplomatas avaliam que “a bola está com os europeus” e que o jogo segue correndo, com certo senso de urgência — em junho, a União Europeia realizará eleições legislativas e, dependendo do resultado, os novos deputados podem enterrar de vez o pacto. “Precisamos assinar até fevereiro ou março”, alertou a VEJA uma fonte próxima das negociações. Sem a parceria com o bloco europeu, o futuro do próprio Mercosul fica incerto, com o Uruguai ameaçando realizar acordos unilateralmente, com a incógnita Milei e com a resistência do Paraguai, que assume a presidência e defende mudanças. “Vivemos um momento de inflexão, em que o Mercosul precisa pensar no que realmente quer ser”, avalia Paulo Velasco, professor de relações internacionais da UFRJ. É esperar — de preferência, não outros vinte anos — para ver.

Publicado em VEJA de 8 de dezembro de 2023, edição nº 2871

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