Os impactos da saída dos EUA na OMS
Trump assinou ordem executiva para cortar relação devido à 'falta de independência' da agência de saúde da ONU e proximidade com a China

Durante seu primeiro mandato como presidente dos Estados Unidos, Donald Trump iniciou, em julho de 2020, o processo para sair da Organização Mundial da Saúde (OMS). Ele disse que a instituição era próxima demais da China e alegou, ao contrário das evidências, que havia ajudado inicialmente a encobrir a disseminação da covid-19. Como o processo da retirada leva um ano, seu sucessor, Joe Biden, conseguiu reverter a decisão assim que assumiu o cargo, em janeiro de 2021.
Agora, Trump sabe dos prazos e não veio para brincar. No primeiro dia de seu segundo mandato, na segunda-feira, 20, assinou, entre cerca de 100 ordens executivas, uma para romper os laços com a agência de saúde das Nações Unidas. A saída dos Estados Unidos poderia entrar em vigor ainda em janeiro de 2026, o que colocaria o país na companhia de Liechtenstein como os únicos membros da ONU que não fazem parte da OMS.
O decreto justificou que a saída de Washington se deve “à má gestão da organização na pandemia de covid-19 que surgiu de Wuhan, China, e outras crises globais de saúde, sua falha em adotar reformas urgentemente necessárias e sua incapacidade de demonstrar independência da influência política inapropriada dos estados-membros da OMS”. O texto também indicou que a decisão foi resultado de “pagamentos injustamente onerosos” que os Estados Unidos fizeram à organização, um montante cuja ausência será um dos principais impactos da saída americana.
Financiamento
As consequências no campo do financiamento podem ser dramáticas. Além de suas taxas de associação, de aproximadamente 110 milhões de dólares anuais, os Estados Unidos são um dos maiores doadores voluntários da OMS, tendo contribuído com 1,1 bilhão de dólares em 2022 e 2023 combinados. Ao todo, o país fornece 20% do orçamento total, de 6,8 bilhões de dólares.
Outros membros podem compensar parte da diferença, como fizeram quando Trump cortou as contribuições americanas durante seu primeiro mandato. Mas os países europeus estão enfrentando outros desafios, como economias estagnadas e pressão para aumentar os gastos com defesa.
Fora isso, vozes céticas em relação à OMS também estão proliferando dentro da União Europeia e podem ser encorajadas pela decisão de Trump.
Pesquisa
A saída dos Estados Unidos também cortaria os laços da OMS com agências americanas de referência, como os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) e a Food and Drug Administration (FDA), que fornecem orientação à organização sobre uma série de tópicos — e recebem informações cruciais em troca.
A saída prejudicaria a troca de informações entre a OMS e as agências americanas, isolando os CDCs. Especialistas sugeriram que a mudança pode reverter o progresso feito no combate a doenças infecciosas como malária, tuberculose, HIV e aids. Ashish Jha, que foi coordenador de resposta à covid-19 no governo do presidente Biden, havia alertado anteriormente que sair “prejudicaria não apenas a saúde das pessoas ao redor do mundo, mas também a liderança e a proeza científica dos Estados Unidos”.
Cidadãos americanos empregados diretamente pela OMS poderiam continuar trabalhando. Não está claro, porém, o que aconteceria com os chamados centros colaboradores da OMS, dos quais os Estados Unidos hospedam 72, mais do que qualquer outro país.
Vulnerabilidade
O robusto financiamento americano costuma ser direcionado à resposta da OMS a surtos e outras emergências. Perder esses fundos diminuiria sua capacidade de reação, o que pode se revelar um mau negócio para a organização, os Estados Unidos e o mundo. Em especial após a pandemia de covid-19, epidemiologistas defendem que a melhor defesa é a colaboração global e o compartilhamento de dados.
Além disso, os Estados Unidos perderiam sua voz influente na Assembleia Mundial da Saúde, uma reunião anual de estados-membros que elege o diretor-geral, analisa e aprova o orçamento da OMS e define políticas sobre questões como erradicação de doenças, controle do tabaco e equidade de vacinas. A China, que ironia, vejam só, provavelmente assumirá um papel muito mais relevante.
Trump pode realmente retirar os EUA da OMS?
Sim, desde que obtenha a aprovação do Congresso e os Estados Unidos (onde os republicanos têm maioria apertada) cumpram suas obrigações financeiras com a OMS para o atual ano fiscal. Provavelmente, porém, haverá esforços diplomáticos intensos para manter Washington a bordo.
O país aderiu à OMS por meio de uma resolução conjunta de 1948, aprovada por ambas as câmaras do Congresso, que posteriormente foi apoiada por todas as administrações. A resolução exige que os Estados Unidos forneçam um período de aviso prévio de um ano caso decidam deixar a OMS.