Ícone de fechar alerta de notificações
Avatar do usuário logado
Usuário

Usuário

email@usuario.com.br
Semana Cliente: Revista em casa por 7,50/semana

O futuro é aqui: as armas da China para se tornar a maior economia do planeta

Um espetacular avanço tecnológico, investimento maciço na economia verde e imagem polida pelo soft power são os trunfos do dragão

Por Ernesto Neves, de Chongqing
Atualizado em 11 jul 2025, 16h59 - Publicado em 11 jul 2025, 06h00

Olhar em volta é um espanto para quem desembarca em uma das principais vitrines do avanço da China neste primeiro quarto do século XXI: o SkyShuttle (batizado assim mesmo, em inglês), um monotrilho movido a bateria, desliza em fase de teste; uma frota de ônibus transita pela intrincada rede de ruas sem condutor, controlada a distância por inteligência artificial. No horizonte destacam-se espigões de até oitenta andares, encimados por jardins suspensos que desafiam a gravidade, plantados em meio a uma rede de 20 000 pontes e viadutos. Bem-vindos a Chongqing, cidade de 32 milhões de habitantes (bem mais do que Pequim e Xangai) no sudoeste do país, retrato acabado da profunda transformação em curso na segunda maior economia do planeta — uma espécie de laboratório para o avanço acelerado de tecnologias de ponta. De celular em punho, visivelmente encantado, Huang Qian, 25, que chegou do interior há três anos para estudar engenharia ambiental, fotografava um parque à beira do majestoso Rio Yangtzé, que corta a metrópole. “Vim para ficar. Há oportunidades por todos os lados”, explica.

OUSADIA - A cidade do futuro: campo de teste urbano para inovações
OUSADIA - A cidade do futuro: campo de teste urbano para inovações (Ernesto Neves/.)

Chongqing é o epicentro da estratégia chinesa de instalar cadeia de produção interna autossuficiente e high-tech, enquanto intensifica a dependência externa por seus produtos — com o propósito de ultrapassar os Estados Unidos como maior economia do planeta. Na projeção do britânico Centro de Pesquisas em Economia e Negócios, a virada deve acontecer por volta de 2035. Com a obstinação típica do gigante oriental e um governo autoritário de partido único, que manda e desmanda sem oposição, o país montou um sólido tripé para pôr de pé sua ambição de se tornar o primeiro do mundo: tecnologia de primeiríssimo nível, domínio da cadeia da economia verde e, mais recentemente, um esforço concentrado para fazer com que a nação historicamente voltada para o próprio umbigo se torne atraente, moderna — enfim, cool. “O governo de Pequim quer vender ao mundo um combo formado por tecnologia, sustentabilidade e estilo de vida”, afirma Liu Ming, pesquisador da Academia Chinesa de Ciências Sociais.

Carta ao Leitor: O dragão se reinventa

A montanhosa Chongqing, administrada com mão de ferro pela turma de Pequim, recebeu investimentos maciços para se posicionar na linha de frente do ímpeto transformador. A primeira mudança foi a remoção de 3 700 indústrias altamente poluidoras, que deixavam o céu permanentemente cinza. No lugar, o governo incentivou a instalação de startups e empresas inovadoras, movidas a um batalhão de robôs presentes na linha de montagem de todas as fábricas locais — entre elas a BYD, dos carros elétricos que hoje se espalham pelo Brasil e pelo mundo. Em paralelo, abriu espaço para que testassem seus protótipos diretamente no perímetro urbano.

APOSTA HIGH-TECH - SkyShuttle: o monotrilho movido a bateria já está em funcionamento
APOSTA HIGH-TECH – SkyShuttle: o monotrilho movido a bateria já está em funcionamento (Liu Chan/XINHUA/AFP)

A cidade é também um hub logístico da Nova Rota da Seda, projeto que conecta a China ao resto do mundo através de investimentos em infraestrutura. Resultado: mesmo a 1 500 quilômetros do mar, seu porto no Rio Yangtzé se conecta a 550 terminais em 120 países, incluindo o Brasil. Em terra, trens de alta velocidade com carga valiosa partem em direção a lugares como a Alemanha, aonde chegam em apenas quinze dias. A máquina exportadora faz jorrar dinheiro: só em veículos elétricos, a cidade movimenta 140 bilhões de dólares por ano, com previsão de crescimento de 6% até 2028, quando deve se consolidar como líder global no segmento. “A China busca se posicionar como uma potência capaz de redefinir os padrões industriais, comerciais e ambientais deste século”, diz Jonathan Hillman, do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais de Washington.

Continua após a publicidade
NO COMANDO - Xi Jinping: recursos, incentivos e linha dura para ultrapassar os americanos
NO COMANDO - Xi Jinping: recursos, incentivos e linha dura para ultrapassar os americanos (Ken Ishii/Getty Images)

Embora não esteja no traçado da Nova Rota da Seda, em nome de uma política comercial independente, o Brasil tem na China seu maior parceiro em transações internacionais — na segunda-feira 7, os dois países formalizaram a cooperação em mais um megaprojeto, a construção de uma ferrovia de 4 500 quilômetros ligando o litoral baiano, no Atlântico, ao porto peruano de Chancay, no Pacífico. Centro de exportações de carros elétricos para o mercado brasileiro, Chongqing conta até com um curso de português — lá, aliás, a maioria dos jovens fala inglês, uma notável diferença da China de dez anos atrás. “O Brasil representa uma porta de entrada essencial para a América Latina, com sua digitalização crescente e demanda por tecnologia avançada”, avalia Jason Lau, dono da Shineray, que produz e vende motos (elétricas, claro) para a terra dos motoboys.

Para perseguir a primazia econômica, Pequim selecionou treze tecnologias consideradas cruciais, de inteligência artificial e chips a robótica avançada e novos materiais. Os desenvolvedores nessas áreas foram agraciados com subsídios diretos, incentivos fiscais, apoio financeiro via fundos estatais e empréstimos bancários a juros baixíssimos, o que resultou na introdução de multinacionais chinesas em mercados antes dominados por americanos, japoneses e europeus. Esse investimento consistente tornou a China imbatível também no fornecimento de insumos para a economia verde, uma das engrenagens mais vistosas de sua máquina produtiva.

MUDANÇAS A JATO - “Quando comprei meu primeiro carro elétrico, há três anos, eles eram raros. Hoje são mais de 70% da frota”, diz Jason Lau, diretor de uma fábrica que exporta motocicletas para o Brasil.
MUDANÇAS A JATO – “Quando comprei meu primeiro carro elétrico, há três anos, eles eram raros. Hoje são mais de 70% da frota”, diz Jason Lau, diretor de uma fábrica que exporta motocicletas para o Brasil. (Ernesto Neves/.)
Continua após a publicidade

A valorização das metas de sustentabilidade já produz impacto — as tecnologias de baixo carbono representaram mais de 10% do crescimento do país no ano passado. Internamente, só em 2024 o governo injetou o equivalente a 1,4 trilhão de dólares na construção de fontes de energia limpa, dois terços dos aportes no mundo inteiro. Em um único mês, maio passado, foram adicionados à rede chinesa 93 gigawatts de energia proveniente de novos painéis solares, instalados ao ritmo de 100 placas fotovoltaicas por segundo. Em se tratando de China, não faltam obras monumentais, como a hidrelétrica de Yarlung Tsangpo, no Tibete, portento de 140 bilhões de dólares, três vezes o tamanho da também chinesa Usina de Três Gargantas, a maior do mundo.

arte China

No jogo do comércio externo, o país ganha de lavada: as fábricas chinesas são as maiores produtoras e exportadoras de equipamentos para a economia verde (veja o quadro), bem à frente dos Estados Unidos, que sob o governo Donald Trump trilha exatamente a direção contrária. A transição chinesa de “nação que copia” para “potência criadora” tem tudo para moldar o futuro da tecnologia avançada em todos os setores, rivalizando cabeça a cabeça com os Estados Unidos e até vencendo de surpresa algumas corridas. No início do ano, em pleno caso de amor global com o ChatGPT e outros modelos de inteligência artificial americanos, uma startup chinesa lançou o DeepSeek, um prodígio tecnológico mais simples de fazer e ainda por cima aberto e gratuito — embora traga embutida uma facilidade maior de pavimentar fake news. “Há uma sensação geral de orgulho com os avanços que tivemos nesta década”, diz Kid LinHan, 22, estudante de gestão em Chongqing.

O esforço colossal para chegar em primeiro passa, como sempre, pela educação e formação de uma base robusta de talentos. A China lidera a lista das instituições de pesquisa mais influentes do mundo. Segundo o Index 2025 da prestigiada revista Nature, oito das dez universidades com maior produção científica de alto impacto são chinesas, sobrando espaço no ranking para apenas duas ocidentais — a americana Harvard e o centro alemão Max Planck. O avanço é resultado de uma estratégia coordenada e persistente: nos últimos dez anos, o país ampliou os recursos para ensino e pesquisa em ciência e tecnologia à média de 9% ao ano. Hoje seus acadêmicos são os que publicam mais estudos citados por terceiros, e seus pesquisadores, os que requerem mais patentes no planeta.

Continua após a publicidade
ENTRETENIMENTO - Detetive Chinatown: sucesso da franquia no mundo contribui para incrementar o soft power chinês
ENTRETENIMENTO - Detetive Chinatown: sucesso da franquia no mundo contribui para incrementar o soft power chinês (./Divulgação)

Com a abertura do país para a economia de mercado, em 1978, a pobreza despencou e a classe média floresceu, mas em contrapartida os chineses passaram a viver em cidades poluídas, obrigados a circular de máscara — em 2013, uma névoa tóxica escureceu Pequim, a capital, por 58 dias seguidos. A imagem pegou muito mal — vem daí o destaque que o presidente Xi Jinping dá à questão ambiental. Novas diretrizes, a partir de 2015, transferiram indústrias para longe de centros urbanos, despoluíram rios e multiplicaram os parques nacionais. A situação melhorou, mas a China ainda carrega o estigma de vilã ambiental, e não sem razão: são mais de 12 bilhões de toneladas de CO2 despejados anualmente na atmosfera, cerca de um terço do total global, e a meta de uma redução de 18% em 2025 dificilmente será alcançada.

CENA DO PASSADO - Pequim em 2013: nuvem tóxica e uso obrigatório de máscara na capital altamente poluída
CENA DO PASSADO – Pequim em 2013: nuvem tóxica e uso obrigatório de máscara na capital altamente poluída (Feng Li/Getty Images)

Nem por isso o país abre mão do objetivo de reduzir emissões substancialmente a partir de 2030 e alcançar a neutralidade três décadas depois — uma meta simpática, que cai como luva em seu planejamento. Ao lado da posição de paladinas da economia verde, as autoridades chinesas puseram em prática uma cuidadosa ofensiva de charme para fazer do país um polo de criação de tendências e influência, confiando, elas também, no poder de sedução do soft power. Um dos símbolos da virada são os “monstrinhos” Labubu, da Pop Mart, bonequinhos que viraram febre global: há filas nos pontos de venda na Europa e nos Estados Unidos e postagens orgulhosas de proprietários-celebridades como Kim Kardashian, David Beckham e Rihanna. No cinema, a animação Ne Zha 2, lançada em janeiro, é o filme mais bem-sucedido de língua não inglesa neste ano, e Detetive Chinatown — O Mistério de 1900 arrecadou 5 bilhões de dólares.

Continua após a publicidade

No mundo dos games, Wukong, inspirado na mitologia chinesa, extrapolou fronteiras e é campeão de vendas em 29 países. Divulgado em junho, o Global Soft Power Index 2024, da consultoria Brand Finance, mostrou a China à frente de Japão e Alemanha, superada apenas por Estados Unidos e Reino Unido. “É uma estratégia para consolidar um novo sonho chinês, mais verde, digital e plural do que o americano”, diz Brian Wong, do Centro de Estudos da China Contemporânea, de Hong Kong.

ATRAINDO TALENTOS - O estudante de gestão Kid LinHan, 22, trocou o interior por Chongqing. “Há uma sensação geral de orgulho com os avanços que tivemos”, diz.
ATRAINDO TALENTOS – O estudante de gestão Kid LinHan, 22, trocou o interior por Chongqing. “Há uma sensação geral de orgulho com os avanços que tivemos”, diz. (Ernesto Neves/.)

Polir a imagem não é tarefa fácil para um país governado pelo Partido Comunista, que vigia os cidadãos, sufoca qualquer sopro de oposição e censura sumariamente, nas redes e em toda parte, manifestações que não lhe agradam. Também foi uma ducha de água fria o fato de a economia, depois de anos de subida meteórica, perder impulso no ambiente pós-­pandemia: as exportações, motor do crescimento, não se recuperaram plenamente — e agora enfrentam barreiras tarifárias crescentes, sobretudo dos Estados Unidos —, a expansão do PIB perdeu fôlego e o consumo desacelerou. A China, no entanto, não para — enquanto o Ocidente debate o amanhã em mesas-redondas, vitrines de inovação como Chongqing o embalam em contêineres e o despacham para os quatro cantos do planeta. Moderno e ousado, o dragão chinês não quer só participar da história global. Quer, isto sim, escrever as próximas páginas e redefinir o século XXI.

Publicado em VEJA de 11 de julho de 2025, edição nº 2952

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

OFERTA RELÂMPAGO

Digital Completo Anual

Acesso ilimitado ao sites, apps, edições digitais e acervos de todas as marcas Abril
De: R$ 16,90/mês
Apenas R$ 1,99/mês
ECONOMIZE ATÉ 11% OFF

Revista em Casa + Digital Completo Anual

Receba 4 revistas de Veja no mês, além de todos os benefícios do plano Digital Completo (cada revista sai por menos de R$ 7,50)
De: R$ 55,90/mês
A partir de 35,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a 9,90/mês.