O azul voltou
Os republicanos mantêm maioria no Senado, mas os democratas reconquistam o controle na Câmara e querem abrir uma temporada de constrangimentos para Trump
Com uma das campanhas mais nervosas das últimas décadas, que incluiu o envio de bombas caseiras a catorze democratas e um atentado em uma sinagoga em Pittsburgh, a eleição legislativa da terça 6 foi também uma das que registraram maior comparecimento na história americana. Quase 50% saíram de casa para votar. Assiduidade parecida com essa só mesmo em 1966. Foi, ainda, a primeira vez que mais de 100 milhões de americanos participaram de um pleito. “As pessoas estão muito motivadas, seja a favor ou contra o presidente Donald Trump”, diz o historiador americano Jason Opal, da Universidade McGill.
A polarização que incentivou o comparecimento também gerou resultados paradoxais. Na Câmara dos Representantes, os democratas, de cor azul, conquistaram a maioria. A partir de janeiro, eles terão mais de 222 assentos na Casa, dos 218 necessários. No Senado, os republicanos, de cor vermelha, ampliaram a maioria que já tinham, de 51 legisladores. Isso aconteceu porque, enquanto a renovação da Câmara foi total e espelhou muito bem o humor geral da população, no Senado, das 100 cadeiras, apenas 35 se encontravam em disputa, e a maior parte delas estava ocupada por democratas.
A reconquista da Câmara, depois de oito anos, não deve ser menosprezada, pois os democratas poderão interferir muito mais nas comissões. “Eles serão capazes de investigar o presidente e sua equipe. Mesmo que não encontrem muita coisa, essas ações chamam atenção e é possível que afetem a popularidade do mandatário”, diz o cientista político americano Zachary Peskowitz, da Universidade Emory, na Geórgia. A quimera dos eleitores democratas é deflagrar um processo de impeachment, desejo que pode ganhar cores mais vivas dependendo das conclusões do procurador especial Robert Mueller III, que apura o conluio com os russos nas eleições de 2016. Como o impedimento de fato só poderia acontecer com o consentimento de dois terços do Senado, não há por que os democratas darem corda a esse desejo, a menos que seja por motivos eleitoreiros. Mas outros temas podem abrir uma temporada de constrangimento para Trump. Um deles é a declaração de imposto de renda do presidente, que ele se nega a tornar pública. Ainda que não exista uma lei que o obrigue a isso, suspeitas de irregularidades poderiam suscitar pedidos para que tal ocorresse. A maioria democrata também deve enterrar a promessa de construir um muro na fronteira com o México e de dar isenções tributárias aos mais ricos.
Das eleições legislativas, algumas mulheres saíram fortalecidas entre os democratas. Entre elas estão a refugiada somali Ilhan Omar e a filha de palestinos Rashida Tlaib, ambas muçulmanas. O partido também colocará as duas primeiras indígenas no Congresso: Deb Haaland e Sharice Davids. Mas o nome mais forte continua sendo o de Nancy Pelosi, que foi líder da agremiação na Câmara. Se aprovada por seus pares nas primárias, Nancy poderá ser uma opção viável para enfrentar Trump em 2020. “O resultado de hoje expressa a necessidade de restaurar a Constituição e os freios e contrapesos na administração Trump”, afirmou ela após garantir seu lugar. “Vamos drenar o pântano”, disse, ecoando um jargão ultramanjado na política americana.
Trump acompanhou a divulgação dos resultados das eleições com um grupo de amigos comendo pizza e cachorro-quente, e com os olhos grudados na televisão. Ao retornar para seu gabinete, tuitou que a eleição tinha sido “um tremendo sucesso”, apesar da derrota parcial, e começou a reorganizar sua equipe, eliminando aqueles que considera infiéis ou ineficientes. O primeiro a dançar foi o secretário de Justiça, Jeff Sessions, com quem ele andava às turras. Não há sinal de que Trump pare para descansar. Ao voltar a proferir discursos de campanha em todo o país para os candidatos republicanos ao Congresso, o presidente reencontrou-se com a energia de seus eleitores e recuperou o fôlego. A campanha para as eleições presidenciais de 2020 já começou.
Publicado em VEJA de 14 de novembro de 2018, edição nº 2608