Nicarágua rejeita críticas sobre sua lei de terrorismo feitas pela ONU
Organização diz que a ampliação do conceito de "terrorismo" na nova legislação nicaraguense criminaliza protestos pacíficos
O governo da Nicarágua expressou, na terça-feira 17, seu “mais enérgico protesto” pelas “declarações tendenciosas” da ONU, que se posicionou contra a lei de terrorismo aprovada pelo Parlamento do país. A Nicarágua está envolvida em uma crise política que deixou mais de 350 mortos nos últimos três meses, em alguns dos protestos mais violentos que a nação já viu desde sua independência.
O Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) denunciou o texto, aprovado na última segunda-feira, cujo conteúdo “é muito vago e permite uma ampla interpretação” do que é terrorismo, podendo ser usado para criminalizar o protesto pacífico.
“Rejeitamos energicamente esta grosseira manipulação por parte do Alto Comissário [frente ao] direito soberano e à obrigação do Estado da Nicarágua de legislar de acordo com as convenções e tratados internacionais, para evitar a lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo”, afirmou em resposta à ONU o Ministério das Relações Exteriores nicaraguense, por meio de uma nota.
“Ao questionar esta lei, o Escritório do Alto Comissário se torna cúmplice precisamente de ações que nossa legislação, como Estado responsável, condena e que aprovamos de acordo com as convenções e instrumentos internacionais”, criticou o ministério.
“Este tipo de declaração o transforma em cúmplice das ações que grupos terroristas realizaram, assassinando nicaraguenses e destruindo nosso país visando derrubar um governo constitucional, democraticamente eleito pelo nosso povo.”
A chancelaria advertiu que “questionar e manipular o direito soberano e vontade política da Nicarágua de fortalecer suas capacidades jurídicas, técnicas e operacionais para combater a lavagem de dinheiro, financiamento do terrorismo e outras atividades ilegais vai contra os princípios da Carta das Nações Unidas e a Ordem Jurídica Internacional”.
A Lei contra Lavagem de Dinheiro, Financiamento ao Terrorismo e Proliferação de Armas de Destruição em massa impõe uma pena de quinze a vinte anos de prisão pelo crime de “terrorismo”. Ela passa a incluir nessa categoria “qualquer um que se propuser a alterar pelas vias de fato” a ordem jurídica e constitucional por meio dos bloqueios de estradas.
Segundo o porta-voz do Escritório da ONU, Rupert Colville, a lei foi aprovada por um Congresso “quase totalmente controlado pelo governo”.
Masaya
O governo nicaraguense também anunciou hoje que a polícia retomou o controle do bairro indígena de Monimbó, na cidade de Masaya, símbolo do movimento popular contra o presidente Daniel Ortega.
Mais de 1.000 homens fortemente armados com metralhadoras entraram disparando na cidade, segundo moradores locais. O município possui 100.000 habitantes e está localizado a 30 quilômetros ao sul da capital, Manágua. Ao menos duas pessoas morreram no ataque, “uma mulher e um policial”, informou a presidente do Centro Nicaraguense de Direitos Humanos (Cenidh), Vilma Núñez.
Segundo testemunharam repórteres, as vias estavam bloqueadas por policiais de choque e paramilitares, que chegaram em 37 caminhonetes e cercaram Masaya para impedir que as pessoas entrassem ou saíssem da cidade. Rajadas de armas de diversos calibres eram ouvidas por todos os lados do município, contaram testemunhas.
“As balas estão atingindo a igreja de María Magdalena, onde o padre está refugiado”, escreveu no Twitter o arcebispo auxiliar de Manágua, Silvio Báez. “Estão metralhando as casas de maneira irresponsável, a mensagem é que se você colocar a cabeça para fora te matam, é uma mensagem de terror”, disse o secretário da Associação Nicaraguense de Direitos Humanos (ANPDH), Álvaro Leiva.
O subsecretário de Estado para Assuntos do Hemisfério Ocidental dos Estados Unidos, Francisco Palmieri, pediu “energicamente” ao presidente Ortega que não atacasse Masaya. “A contínua violência e o derramamento de sangue promovidos pelo governo da Nicarágua devem cessar imediatamente. O mundo está observando”, tuitou.
Masaya foi a última etapa da chamada “operação limpeza”, que policiais e paramilitares iniciaram semanas atrás para desobstruir as ruas bloqueadas por manifestantes. Os protestos exigem a saída de Ortega, ex-guerrilheiro de 72 anos que governa o país desde 2007.
(Com EFE e AFP)