Nem precisou de muro
Acordo entre Estados Unidos e México deve conter, ao menos em parte, a torrente de imigrantes da América Central em busca do eldorado americano
Ansiosos para escapar da pobreza e da violência, estimulados por parentes que já partiram e seduzidos pelas promessas dos coiotes, nome dado àqueles que fizeram da entrada ilegal nos Estados Unidos um negócio altamente rendoso, milhões de imigrantes estão partindo da América Central em busca do sonho americano. A posse de Donald Trump, o presidente mais abertamente anti-imigração de todos os tempos, ironicamente acirrou o problema: em maio, 144 000 pessoas foram apreendidas ao longo da fronteira com o México, o maior número mensal em treze anos e quase o dobro do de fevereiro. Diante dessa torrente migratória, e na falta de um muro para chamar de seu, Trump tirou do bolso sua provocação preferencial — ameaçou aumentar tarifas sobre os produtos mexicanos caso nada fosse feito. O governo do México, que já esperava a pressão e vinha tomando providências para conter o fluxo, aceitou endurecer mais. Resultado: dois países decididos a fechar as portas a milhões de pessoas igualmente determinadas a fincar novas raízes.
Depois que Trump anunciou que iria aumentar as taxas sobre produtos mexicanos em 5% a cada mês, a partir da segunda 10, até o limite de 25%, o ministro das Relações Exteriores do México, Marcelo Ebrard, sentou-se com o vice americano, Mike Pence, para alinhavar um acordo. Desde a posse de Andrés Manuel López Obrador, o AMLO, político de esquerda que assumiu a Presidência em dezembro com a mais pragmática das atitudes diante dos Estados Unidos, o México vem tentando conter a imigração ilegal. O governo criou uma Guarda Nacional só para cuidar de pontos críticos da fronteira do sul, enquanto na do norte aceitou a devolução temporária de parte dos ilegais que se enfileiram nos postos de fronteira americanos — por lei, eles podem entrar nos Estados Unidos, dar o nome e ficar lá mesmo esperando o desenrolar de seu pedido de abrigo. Com apoio de 43% da população, o México também acelerou a detenção e a deportação de imigrantes: são 80 537 desde dezembro, enquanto de junho a novembro de 2018 foram 60 605.
Depois de nove dias de negociações, o acordo foi alcançado na véspera de a tarifa entrar em vigor. Os dois lados comemoraram, cada um com sua versão dos fatos. Trump tuitou que o México concordara em adotar “medidas fortes” para impedir a entrada de imigrantes da América Central, mas disse que não poderia revelar ainda certas partes “secretas”. Em nome da “transparência”, Ebrard divulgou a carta de intenções que encaminhou ao Congresso mexicano e afirmou que nela não havia segredo algum. Além das providências já em andamento, AMLO vai reforçar a fronteira com os Estados Unidos com 6 000 soldados e iniciou na quarta-feira 12 o despacho da força recém-criada para dois estados: Chiapas, na fronteira com a Guatemala, e Oaxaca, na rota das caravanas. Um prazo de 45 dias foi estabelecido para o México apresentar os resultados. Depois disso, as partes voltarão à mesa de negociação por mais 45 dias para bater o martelo sobre a nova política migratória.
Pence tentou convencer Ebrard a adotar a estratégia que interrompeu a onda de refugiados da guerra síria em 2016, quando a União Europeia deu à Turquia condições de acomodar o grosso deles em campos de refugiados. O ministro mexicano desconversou, alegando que precisaria do apoio de outros países, Brasil inclusive. Segundo a Organização Internacional para Migrações, 6 milhões de imigrantes deixaram o Triângulo Norte (El Salvador, Honduras e Guatemala) nos últimos dois anos. Parte deles está mudando de rota e tomando o rumo da Europa. “Profissionais com boa qualificação e com recursos também estão indo embora”, diz o especialista Rick Su, da Universidade Estadual de Nova York. Por mais que as portas se fechem, quem vive no desespero não desiste de encontrar alguma saída.
Com reportagem de Caio Mattos
Publicado em VEJA de 19 de junho de 2019, edição nº 2639
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