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Morte do jornalista Khashoggi completa um ano, sem punição de culpado

Príncipe herdeiro saudita Mohammed Bin Salman assume responsabilidade pelo crime, em Istambul; corpo continua desaparecido

Por Da Redação
Atualizado em 30 jul 2020, 19h38 - Publicado em 1 out 2019, 14h02

Pouco antes de ser executado no Consulado da Arábia Saudita em Istambul, o jornalista Khamal Khashoggi ouviu a zombaria de seus algozes, que chegaram a dizer que “um açougueiro não corta sua carne no chão”. A morte do dissidente saudita, colaborador do jornal The Washington Post, completa um ano na quarta-feira, 2, sem que seu corpo tenha sido encontrado.

O príncipe herdeiro do reino, Mohammed Bin Salman, se responsabiliza por seu brutal assassinato, mas está longe de sofrer qualquer punição pelo crime, que obscurece da monarquia da Casa dos Saud.

A advogada britânica Helena Kennedy participou da investigação da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a morte de Khashoggi e informou a BBC ter ouvido gravação fornecida pelas autoridades turcas – que mantinham microfones no consulado saudita -, nas quais o jornalista é descrito como “animal destinado ao sacrifício”. Seu depoimento consta de documentário transmitido no programa Panorama na noite de segunda-feira 30.

“Eles se perguntavam ‘se o corpo e o quadril dariam dentro de uma bolsa'”, disse ela Kennedy.

Na gravação, segundo Kennedy, é possível ouvir o  médico legista suspeito de ter desmembrado o corpo em pedaços. “Costumo ouvir música ao cortar cadáveres. Às vezes, com um café e um cigarro na mão. É a primeira vez na minha vida que tenho que cortar pedaços no chão – até um açougueiro que quer cortar um animal o pendura”, disse o legista.

“Você os ouve rir, é arrepiante”, contou a advogada. “Você ouve Khashoggi passar do sentimento de confiança ao medo, depois a uma agonia crescente, ao terror e, finalmente, à percepção de que algo vai acontecer.”

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A relatora especial da ONU Agnès Callamard, que também ouviu a gravação, disse que Khashoggi perguntou a seus carrascos se iriam aplicar uma injeção nele. A resposta foi afirmativa.

“O que ouvimos depois mostra que ele está sendo sufocado, provavelmente com um saco plástico na cabeça”, relatou Callamard. “Algum tempo depois, alguém diz: ‘É um cachorro, ponha isso na cabeça dele, e a envolva’. Só podemos entender que eles cortaram a cabeça dele”, explicou ela à BBC.

Jornalista crítico ao reino, Khashoggi vivia nos Estados Unidos. Em 2 de outubro de 2018, foi ao consulado saudita em Istambul para resolver a papelada de seu casamento. Sua noiva o aguardava do lado de fora e, como não o viu sair do prédio, alertou as autoridades turcas.

A Turquia entregou à ONU uma gravação de 45 minutos registrada no interior do consulado e concluiu, em sua investigação, que uma equipe de 15 agentes sauditas fora deslocada da Arábia Saudita para Istambul com a missão de assassinar Khashoggi. A CIA e Callamard apontaram Salman como responsável pelo crime e, em tentativa de restaurar sua imagem, o reino saudita levou 11 suspeitos à Justiça. Cinco deles podem ser sentenciados à morte.

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Em entrevista à rede americana de televisão PBS que irá ao ar nesta terça-feira, ele reconheceu sua culpa. “Aconteceu sob minha guarda. Eu assumo toda a responsabilidade, porque aconteceu sob minha guarda”, disse.

Fantasma

O tratamento da crise por parte de Riade, que chegou a mudar em várias vezes a versão do que aconteceu, causou um grande prejuízo na sua imagem e credibilidade que teve consequências. A relatora da ONU para execuções extrajudiciais apontou diretamente para MBS em junho pelo crime, e o Senado dos Estados Unidos acusou por unanimidade o príncipe herdeiro em dezembro pelo assassinato.

Até hoje, apesar de um caso aberto pelo crime na Arábia Saudita contra 11 pessoas, em que o Ministério Público solicitou pena de morte a cinco acusados, o caso está longe de terminar.

“O caso Khashoggi não está encerrado. O caso Khashoggi está suspenso em troca de uma conta econômica volumosa, enquanto a Casa Branca e seu atual inquilino (presidente Donald Trump) seguem considerando que há benefício econômico a extrair mantendo o caso em suspenso”, disse Haizam Amirah-Fernández, do Real Instituto Elcano.

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O caso Khashoggi afetou o governo saudita de diferentes maneiras. A atração de investimentos para projetos como o Visão 2030 – programa faraônico de mudanças econômicas para “revolucionar” os setores de tecnologia, turismo e desenvolvimento urbano e para reduzir a dependência das exportações de petróleo – está abaixo do esperado.

O aumento da tensão no Golfo Pérsico, a guerra no Iêmen e a tensa relação com o Irã contribuíram para a redução da classificação de risco Arábia Saudita de A + para A pela agência Fitch.

Para Gerd Nonneman, professor da Universidade de Georgetown, é verdade que, por razões econômicas e pragmáticas, algumas empresas e governos mantiveram e reconstruíram as relações com Riad. “Mas também é verdade que esses relacionamentos, pelo menos com o Ocidente e parte da comunidade empresarial global, ainda estão danificados e desacelerados”, disse ele.

Em sua opinião, vários fatores influenciam essa situação: por um lado, o regime saudita e Bin Salman são vistos como culpados de crime”; depois, o incidente é um sintoma de um “clima problemático” e, em terceiro lugar, as reformas econômicas são limitadas pelas políticas “muito imprevisíveis” do príncipe herdeiro.

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Desde sua nomeação como chefe de governo, em janeiro de 2015, Bin Salman impulsionou mudanças para abrir a ultra-conservadora Arábia Saudita. As mulheres foram autorizadas a dirigir veículos e a viajar sem a permissão do marido ou do pai, houve abertura de mais espaços para o investimento e, mais recentemente, os vistos de turista foram aprovados pela primeira vez.

Em paralelo, MBS acumulou poder que um príncipe herdeiro nunca teve na Arábia Saudita. Isso lhe permitiu apresentar uma agressiva forma de fazer política, que inclui uma guerra no cara no Iêmen, a inflexibilidade com os ativistas de direitos humanos e a forma como lidou com Khashoggi. “O caso Khashoggi demonstra o custo de permitir a impunidade em aventuras arriscadas dos líderes neófitos”, disse Amirah-Fernández.

Para o analista, a abordagem de muitos no Ocidente “é que as políticas desse jovem estadista podem colocá-los em longo prazo em uma boa confusão” e há “temor” sobre a confiança a ser depositada nesse líder, que permanecer no poder por décadas”.

“O fantasma de Khashoggi perseguirá ao ao lado do príncipe herdeiro para sempre, independente de sua responsabilidade futura”, afirmou.

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Manequins desmembrados

Para recordar um ano do assassinato de Khashoggi, a organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) espalhou nesta terça-feira vários manequins desmembrados na frente do consulado saudita em paris, exigindo que as circunstâncias de sua morte sejam esclarecidas. Os manequins de plástico portavam coletes com a palavra “Press” (imprensa, em inglês).

De acordo com o secretário-geral da RSF, Christophe Deloire, a ação também tem o objetivo de chamar a atenção de todos que buscam a liberdade de imprensa na Arábia Saudita. Atualmente, segundo Deloire, cerca de 30 jornalistas e blogueiros estão detidos neste país.

Deloire se mostrou cético em relação às declarações do príncipe herdeiro saudita. Ele negou ter ordenado o assassinato do jornalista, mas assumiu “a responsabilidade como líder da Arábia Saudita”. “É uma maneira de se livrar de perguntas sobre sua culpa pessoal e sua responsabilidade de se comprometer com a liberdade de imprensa na Arábia Saudita, onde o jornalismo está sujeito a uma repressão feroz”, afirmou o secretário-geral da ONG.

(Com AFP e EFE)

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