‘Infelizmente não é a relação que queremos’, diz chefe de gabinete da Ucrânia sobre Brasil
Andriy Yermak pediu participação nos esforços para localizar crianças deportadas e afirmou que "a voz do Brasil é importante para lidar com a Rússia"

Em entrevista coletiva a um grupo de jornalistas brasileiros, o chefe de gabinete do governo da Ucrânia, Andriy Yermak, lamentou nesta terça-feira, 14, o estado da relação entre Kiev e Brasília, dizendo que, “infelizmente, não é a relação que queremos, mas vamos continuar de coração aberto”, sobretudo porque “a voz do Brasil é importante para lidar com a Rússia”.
“Toda relação depende de duas partes. Da nossa parte, demonstramos nosso interesse e esperamos que, em algum momento, essa relação esteja no nível que queremos que esteja. É o que temos”, afirmou, expressando incômodo com a falta de convite ao presidente Volodymyr Zelensky durante a cúpula do G20, realizada no Rio de Janeiro, em novembro passado. Após o encontro do grupo das maiores economias do mundo, o presidente ucraniano criticou a “posição fraca” da declaração do G20 sobre a guerra na Ucrânia, que não mencionou Moscou.
A fala, no entanto, segue alguns atritos recentes entre Zelensky e o presidente Lula. No ano passado, o ucraniano questionou o papel do Brasil como intermediador das negociações de paz entre seu país e a Rússia, dizendo duvidar do “real interesse” de Brasil e China para liderar o diálogo entre Kiev e Moscou e acusando o governo federal de ter aliança com Vladimir Putin.
Nesta terça-feira, Yermak adotou um tom mais conciliador, dizendo que, sobretudo no caso de crianças ucranianas ilegalmente deportadas para a Rússia, o Brasil pode ter um papel mais proeminente por conta de sua posição como “um dos líderes globais na manutenção da paz e da Justiça”.
“O Brasil pode, nesse caso, se engajar em mediação com os russos para ajudar que as crianças voltem para suas casas. A voz do Brasil é importante para lidar com a Rússia”, disse. “Em territórios ocupados ilegalmente, a Rússia muda a cidadania e o nome das crianças, falsificando suas origens. Não são apenas crimes de guerra, mas tentativas calculadas de apagar a identidade nacional. Essas crianças estão sendo privadas de suas histórias.”
Crianças deportadas
A Ucrânia acredita que cerca de 20.000 menores de idade foram capturados pela Rússia desde o início do conflito. A escala é tamanha que aviões e fundos presidenciais da Rússia teriam sido usados para deportar 314 crianças ucranianas de territórios ocupados, alojando-as com famílias russas, segundo um relatório da Escola de Saúde Pública da Universidade Yale, nos Estados Unidos, publicado no fim do ano passado. A pesquisa afirma que os menores de idade foram levados para o país vizinho ainda nos primeiros meses da guerra na Ucrânia, iniciada em fevereiro de 2022, como parte de um programa de “russificação”.
A pesquisa é baseada em três bancos de dados de adoção do governo russo, com registros colhidos ao longo de 20 meses. A investigação de Yale mapeou a suposta logística do programa e como ele foi financiado. Com isso, foi possível confirmar as identidades das 314 crianças. Destas, 166 foram colocadas diretamente sob os cuidados de cidadãos russos, enquanto outras 148 foram listadas nos bancos de dados de colocação de crianças da Rússia.
As conclusões apoiam os mandados de prisão emitidos pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, contra o presidente russo e sua comissária para a Infância, Maria Lvova-Belova, em março do ano passado. A corte considerou que “existem motivos razoáveis” para considerar que a comissária esteve envolvida em práticas criminais.
Lvova-Belova assumiu o cargo apenas quatro meses antes do início do confronto. Após a invasão, ela reclamou que crianças vindas da Ucrânia “falavam mal do presidente (Putin), diziam coisas horríveis e cantavam o hino ucraniano”, tendo começado “a se integrar” somente depois de serem sido adotadas por famílias russas. Segundo a comissária, os menores “se transformaram e amam a Rússia”. Mas tudo ocorreu, segundo ela, com a permissão dos pais ou de seus responsáveis legais, a não ser que esses estivessem desaparecidos.