Hotéis exóticos tornam paisagens deslumbrantes mais acessíveis
Não importa o destino, a tendência agora é viver a experiência da viagem em endereços extraordinários
Superar o fechamento de fronteiras e a indisponibilidade de voos não tem sido o único desafio da hotelaria em 2020 e talvez nem o maior deles. Devido a tantas restrições sanitárias impostas na pandemia, as pessoas ficaram receosas de viajar, mesmo tendo destino para ir. Para muitos hotéis mundo afora, sobretudo os mais caros, a solução foi se adaptar e inovar. Aqueles que já eram diferenciados tiveram vantagem sobre os convencionais. Em Paris, cidade que recentemente impôs toque de recolher após as 21 horas, os hotéis de luxo lançaram mão de promoções e pacotes para atrair hóspedes locais e estrangeiros. Alguns deles passaram a oferecer reservas de meia diária, sem pernoite, a fim atrair visitantes que querem só passar o dia na Cidade Luz ou, eventualmente, chamar atenção de casais apaixonados. Outra comodidade foi o lançamento de pacotes família, com foco especial nas crianças, incluindo serviço de creche.
De forma geral, vender estada como uma válvula de escape para se livrar do stress da pandemia é a estratégia que os hotéis adotaram para atravessar a crise — além de conforto e segurança, os hóspedes em potencial, antes de fazer sua escolha, passaram a exigir medidas extraordinárias de higiene e regras claras de distanciamento social nas áreas comuns. Em outras palavras: todos querem tudo que o hotel tem para dar, mas com cautela e segurança.
Foi nesse cenário desafiador de negócios que foi lançado recentemente, também na França, um produto inédito no mercado: uma cápsula de 52 metros quadrados que flutua na água. Chamada Anthénea, a suíte é abastecida com luz solar e proporciona um panorama de 360 graus, além da vista submarina. O interior, todo feito de materiais sustentáveis, é tão confortável quanto um quarto cinco-estrelas e tem preço tão salgado quanto o oceano: 2 000 reais a diária. Existe também a opção de comprar a cápsula flutuante de forma definitiva por 3 milhões de reais.
O que explica Anthénea e tantas inovações luxuosas? Com ou sem pandemia, a exclusividade se tornou a regra do jogo. “Precisamos considerar que clientes abastados já têm acesso garantido aos hotéis mais deslumbrantes do mundo”, diz Carlos Ferreirinha, especialista no mercado de viagens de luxo. “Por isso, a busca se voltou para a experiência, para a emoção da descoberta sob a forma de hospedagem incomum.”
A afirmação de Ferreirinha está amparada no surgimento de centenas de hotéis exóticos. Na Finlândia, o Kakslauttanen Arctic Resort oferece um iglu todo revestido de vidro em meio ao gelo integrado ao ambiente. Nele, é possível deslumbrar-se com o espetáculo da aurora boreal. No sueco Treehotel, a suíte fica suspensa a cerca de 5 metros do chão, de onde se tem uma vista linda do vale ao redor. A estada em cada um é de aproximadamente 3 000 reais a diária.
Para os fãs de água, o Conrad Rangali Island, nas Ilhas Maldivas, oferece quartos a 5 metros de profundidade no Oceano Índico, com paredes de vidro que proporcionam uma magnífica vista da fauna e flora marinhas. Além disso, o hóspede tem acesso a um barco privado e um chef particular — o preço para ter todos esses mimos é fornecido sob consulta. No hotel Costa Verde, na Costa Rica, há um quarto enorme dentro da fuselagem de um Boeing 727, 17 metros acima do solo. A suíte aeronáutica custa 1 500 reais por noite.
Já se sabe que o setor de turismo terá em 2020 perdas históricas. De acordo com o relatório da empresa de estatística Statista, o setor deverá fechar o ano com queda de 55% nas vendas. Para a hotelaria, porém, não se trata apenas de avaliar o quadro sob a frieza dos números. Mais do que turbinar o surgimento de estabelecimentos diferenciados para clientes de alta renda, a atual crise está mudando as prioridades do turista. Especialistas afirmam que, a partir de agora, as viagens terão uma ligação muito mais estreita com o bem-estar e com um senso de propósito. Dessa forma, sair nas férias em busca do autoconhecimento é uma tendência que será explorada por hotéis de todas as categorias. Ao cliente, caberá apenas escolher que tipo de exclusividade, luxo ou privacidade é mais adequado a ele.
Publicado em VEJA de 4 de novembro de 2020, edição nº 2711