Há 50 anos Che Guevara era preso e morto na Bolívia
Em suas últimas horas de vida, o guerrilheiro se preocupou com o destino de seu Rolex, menosprezou os africanos e apostou na "delação premiada"
Em 1967, a Bolívia era o país e mais pobre da América Latina e possuía uma das forças armadas mais desequipadas da região. Mesmo assim, um grupo de soldados raquíticos, com armas da II Guerra Mundial e quase nenhuma proficiência de combate foi capaz de subjugar e prender aquele que os movimentos armados idolatraram como seu guerrilheiro máximo. Sob a mira dos bolivianos, ele suplicou: “Não me matem. Sou Che Guevara. Para vocês valho mais vivo do que morto”.
Há exatos cinquenta anos Ernesto “Che” Guevara fora vencido pelo pelotão comandado pelo então capitão Gary Prado Salmón. Ao longo da tarde e noite daquele dia 08 de outubro de 1967, Che e Prado compartilharam cigarros, tomaram café e conversaram. O guerrilheiro queixou-se que os soldados haviam lhe roubado o relógio Rolex que Fidel Castro havia lhe dado de presente. Che estava convencido que sairia ileso e, por isso, se dava ao luxo de se preocupar com o seu relógio.
Prado recuperou a peça e a entregou na mãos do argentino. Che pediu ao militar que a guardasse para evitar que voltasse a ser roubado. Gary Prado manteve o Rolex sob sua guarda até 1984, quando o entregou a um cônsul cubano para que pudesse ser devolvido à família de Guevara.
Entre os vários assuntos que tratou, Prado queria saber o motivo de ele ter escolhido a Bolívia para exportar a revolução. “Nós já havíamos passado por uma revolução com reforma agrária e direitos universais. Que revolução ele esperava fazer, perguntei. Ele me respondeu ‘Me deram uma má informação. Eu não preparei essa missão. As ordens vieram de instancias superiores’. Perguntei de Fidel, mas nunca me respondeu”.
O militar relembra o desdém que Che demonstrava para com aqueles ele não o seguiam em seus projetos revolucionários. Quando perguntado sobre a experiência no Congo, onde Cuba havia planejado exportar a revolução, Che disse “deu errado porque a gente quis fazer a revolução em um lugar onde as pessoas ainda viviam pendurada em árvores”.
Prado disse a VEJA que neste 50º aniversário da prisão e morte de Che Guevara, ele espera exorcizar o passado. “Não aguento mais todo ano a mesma história. A mesma obsessão em torno da morte dele e de todos os mitos decorrentes desses eventos.
A execução de Che no dia seguinte colocou um fim na pretensões do guerrilheiro de colaborar com as autoridades. “Ele acreditava que seria mantido vivo pelo valor estratégico que tinha”. Mas a decisão do governo da Bolívia de matá-lo impediu o que seria o primeiro acordo de delação premiada da esquerda latino-americana.
Hoje, Prado e outros veteranos inaugurarão em Santa Cruz de la Sierra um memorial em homenagem aos 54 bolivianos que morreram em combate com a guerrilha castrista. “São heróis nacionais que ficaram esquecidos pela história, ofuscados pelo mito Che Guevara”.
O agora general da reserva Gary Prado relembra que quando Che foi preso ele estava em frangalhos e ferido. O odor de seu corpo era tão insuportável, que depois de sua execução uma enfermeira pediu autorização para lavar o cadáver.
O que os militares bolivianos jamais poderiam imaginar era que o asseio post-mortem ajudaria reforçar o mito do martírio de Che. As fotografias do corpo limpo e bem arrumado estendido sobre a pia de cimento passou a ser comparada à pintura A lamentação sobre Cristo morto do renascentista Andrea Mantegna (1431-1506). Se vivo Che valeria muito para os seus captores. Morto, ele teve uma valor inestimável para Fidel Castro. Transformou-se no maior produto da propaganda cubana.
“Surgiram uma infinidade de relatos sem nenhuma conexão com a realidade”, diz o ex-militar. Segundo ele, jamais houve um discurso de despedida, como retratado em filmes e relatado em livros. “Não houve tempo de Che dizer nada. O militar que o executou o encontrou se voluntariou para fazer isso. Entrou no local onde Che estava e o fuzilou com uma rajada de metralhadora”.
O fato de ter comandado a captura de Che Guevara quase custou a vida de Gary Prado. Em julho de 1968, menos de um ano depois da morte do argentino. Prado foi alvo de uma tentativa de atentado.
Na ocasião, ele estudava no Brasil. Fazia um curso da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, no Rio de Janeiro. Militantes do Comando de Libertação Nacional (Colina) – organização da qual a ex-presidente Dilma Rousseff viria a fazer parte – montou uma emboscada para “vingar a morte de Che”. Mas os terroristas confundiram o alvo e mataram a tiros o major alemão Edward Westernhagen, que era colega de curso de Gary Prado.