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Mês dos Pais: Revista em casa por 7,50/semana

Guerra pela vida: VEJA registra a escalada do conflito e o drama humanitário em Gaza

Reportagem especial mostra o impacto de quase dois anos de tensão no cotidiano das populações israelense e palestina

Por Monica Weinberg, de Tel Aviv
Atualizado em 2 ago 2025, 10h24 - Publicado em 1 ago 2025, 06h00

Ao desembarcar no aeroporto internacional Ben Gurion, em Tel Aviv, o visitante esbarra com um safety room, um dos vários quartos blindados por lá para proteger as pessoas no caso de uma eventual bomba lançada nas imediações. Mais adiante, enfileiram-se fotos com os rostos dos reféns israelenses ainda nas mãos do Hamas, o grupo terrorista que capitaneou um bárbaro ataque contra Israel em 7 de outubro de 2023, com saldo de 1 200 mortes. Ao longo da estrada para Jerusalém, cartaz após cartaz pede o fim da guerra que se instalou desde então, presente em todos os escaninhos da vida nesse naco do Oriente Médio onde caminhar à paisana com fuzil a tiracolo é tão comum quanto ouvir o barulho de um míssil. Se não há alerta de perigo no celular, ninguém nem para para saber do que se trata. Na cidade onde está fincada toda a estrutura do poder, encabeçado por Benjamin Netanyahu, fica sua residência, hoje cercada de faixas, muitas clamando por sua renúncia ao posto que, entre idas e vindas, ocupa há quase duas décadas — agora sob pressão internacional em patamar jamais visto.

A REVOLTA - Israelenses vão às ruas: mais de 70% clamam por uma trégua
A REVOLTA - Israelenses vão às ruas: mais de 70% clamam por uma trégua (Mostafa Alkharouf/Anadolu/Getty Images)

O endereço no qual vive o primeiro-ministro contém triste ironia: é a rua Gaza, justamente o enclave sufocado por seu governo onde se desenrola um drama humanitário de contornos intoleráveis dentro do escopo civilizatório do século XXI. Nos últimos dias, a rotina de privações básicas que resulta em aterradoras imagens de corpos esqueléticos na Faixa de Gaza, espremida entre o território israelense e o Mar Mediterrâneo, ecoou pelo mundo, fazendo com que quase trinta países (incluindo o Brasil) se manifestassem conjuntamente pelo término do conflito que se arrasta há quase dois anos, sem sinal de solução à vista. O que ocorre nesse castigado quinhão de terra de não mais que 41 quilômetros de extensão é relatado a VEJA por um de seus moradores, Hany Abuakar, um arquiteto de 49 anos, com substantivos duros de digerir: “Aqui não tem construções de pé, banco, escola, trabalho, comida nem água, muito menos dignidade”, diz ele, que, à pergunta sobre como é viver ali, substituiu o verbo por “sobreviver”.

A escassez extrema, consequência da ajuda humanitária controlada por Israel, que vem entrando em escala bem inferior à necessária naquela fração de terra, leva ao desespero quem tenta conseguir mantimentos, uma jornada diária incerta para os 2,2 milhões de habitantes de Gaza (número atualizado diante dos quase 60 000 que se estima terem perecido). Segundo a classificação IPC, que produz o mais confiável termômetro sobre a fome, 93% da população se situa na faixa da insegurança alimentar aguda, sendo que uma de cada três pessoas passa dias sem ingerir nada, incluindo bebês, que sucumbem sob tendas, sem uma gota de leite. Do início do ano para cá, foram registrados 74 óbitos causados por falta de nutrientes, 63 apenas em julho, o que fez a Organização Mundial da Saúde acender o alerta vermelho: “A desnutrição em Gaza está chegando a níveis alarmantes”, afirmou em relatório. Acolhido pela mãe, Mohamed al-Matouq, um bebê de 1 ano e meio que sofre de hipotonia, a falta de tônus muscular, mas que segundo ela já conseguia se sentar, apareceu em foto que rodou o globo, dando face humana à tragédia que enquadra a existência em uma moldura infernal.

É POUCO - Caminhão com comida na fronteira de Gaza (acima) e a cesta da GHF (abaixo): o problema é de quantidade e qualidade dos alimentos
É POUCO - Caminhão com comida na fronteira de Gaza (acima) e a cesta da GHF (abaixo): o problema é de quantidade e qualidade dos alimentos (Fotos Felipe Wolokita/.)

A investida de Israel contra o Hamas, o grupo terrorista no poder em Gaza, era justificada diante do brutal e inconcebível massacre de 7 de Outubro, que tantas sequelas deixou na sociedade. A cicatriz para uma ala dos cidadãos que nunca pôs os pés no Knesset, o parlamento israelense onde os rumos da nação são definidos, se revela tão profunda — seja porque ainda há reféns nos túneis, seja por terem perdido o filho, a casa ou até o orgulho do país — que a percepção sobre o conflito virou: se no começo eram 80% os que apoiavam a guerra, atualmente mais de 70% pedem o fim dela. Só que o conflito segue sem horizonte de um ponto final, o qual Netanyahu vem postergando mesmo depois de ter cumprido o objetivo de desmantelar o Hamas — seus líderes estão sabidamente mortos e a capacidade militar, reduzida a bem pouco do que era. “A única razão para Netanyahu manter a guerra e não selar um acordo para trazer os sequestrados de volta é a sobrevivência da coalizão de extrema direita que lhe garante o poder”, afirma o doutor em relações internacionais Gershon Baskin, que participou das costuras para a libertação do soldado Gilad Shalit, também feito refém pelo Hamas em 2006, e acompanha de perto as tratativas para uma trégua.

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Evidentemente é negociação da mais alta complexidade, com arestas de parte a parte, uma das mais importantes em torno do tamanho da futura presença israelense em Gaza. O Hamas, conforme o que se deixou vazar, já teria concordado com o exílio de seu comando (o verbo no condicional mesmo, dadas as voláteis circunstâncias), mas continua a manter os reféns em situação sub-humana, como moeda de troca. Um revés cravado na quinta 24 sinaliza para um cenário de mais bombas em Gaza, embora de um minuto a outro tudo possa mudar nesse conflagrado canto do planeta. A conversa que põe em campos opostos da mesa Israel e Estados Unidos e integrantes do Hamas, sob mediação de Egito e Catar, foi de repente suspensa. Netanyahu disse considerar “opções alternativas”, e o presidente Donald Trump, que adoraria exibir o troféu de homem decisivo numa trégua e tem cacife para fazer a diferença, disparou: “O Hamas não quer acordo nenhum”. Em viagem à Escócia, admitiu pela primeira vez, colidindo com seu par israelense: “A fome em Gaza é real. Temos que alimentar essas crianças”.

“A ESPERA ESTÁ ME MATANDO” - Dois filhos de Silvia Cunio, 62 anos, ainda estão nos túneis do Hamas, e ela vive a angústia da incerteza, sem qualquer notícia deles. A família morava no kibutz Nir Oz, onde as casas viraram escombros no 7 de Outubro (abaixo). “O filme de terror que foi aquele dia até agora não acabou”, desabafa Silvia.
“A ESPERA ESTÁ ME MATANDO” – Dois filhos de Silvia Cunio, 62 anos, ainda estão nos túneis do Hamas, e ela vive a angústia da incerteza, sem qualquer notícia deles. A família morava no kibutz Nir Oz, onde as casas viraram escombros no 7 de Outubro (abaixo). “O filme de terror que foi aquele dia até agora não acabou”, desabafa Silvia. (Fotos Felipe Wolokita/.)

Enquanto ninguém se entende nas mais altas esferas, a população israelense, que a tirar pelas pesquisas atuais não reconduziria o primeiro-ministro à cadeira que ele tanto luta para manter, segue polarizada, rachada em relação a quase todos os tópicos do intrincado quadro que se impõe, mas está de acordo em um ponto: que os reféns ainda mantidos em cativeiro (uns vinte vivos e trinta mortos dos 251 do início da guerra) precisam voltar para casa já, nem que para ser enterrados. “Eles deveriam estar com suas famílias, assim como essa guerra era para ter terminado há muito tempo”, afirmou a VEJA o parlamentar Avigdor Lieberman, ex-ministro da Defesa e das Finanças de gestões anteriores de Netanyahu, com quem rompeu. Sob o ângulo humano, a demora pode cobrar um alto preço. “Sabemos que as chances de sobrevivência nos túneis vão diminuindo conforme o tempo passa”, reconhece Revital Poleg, diplomata de carreira, hoje integrante do Fórum das Famílias de Reféns, com base em Tel Aviv.

A poucos passos desta que virou uma ONG que faz circular informação sobre os sequestrados e fornece assistência aos parentes, fica a praça que não passa um único dia sem alguma agitação em prol do regresso dos reféns. O lugar, tingido com a cor amarela da esperança nas faixas, paredes e camisetas, se situa bem em frente ao Ministério da Defesa — exatamente onde, antes do 7 de Outubro, israelenses se juntavam para bradar contra a reforma defendida por Netanyahu, que enfraquecia o Judiciário num momento em que o premiê precisava de guarida ao se ver sugado por acusações de corrupção (das quais, aliás, não se livrou). Com o ataque do Hamas, o assunto ficou por ora adormecido, e o povo atravessou a rua para tratar da outra ferida. Na tarde de uma quarta-feira, Yehuda Cohen, 55, celebrava no local os 21 anos do filho Nimrod, que já contabiliza dois aniversários em cativeiro. A última notícia que o pai recebeu foi em fevereiro, de dois reféns já libertos que estiveram com Nimrod. “Falam que meu filho passa os dias sem luz, com medo de ser assassinado a qualquer hora”, contou a VEJA Yehuda, que engrossa o coro, bastante audível na praça, da oposição ao primeiro-ministro: “Ele não me representa, só representa a si mesmo”, disse.

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PALIATIVO - Suprimentos lançados no território de Gaza: a via aérea começou a ser adotada em meio à escalada da crise
PALIATIVO - Suprimentos lançados no território de Gaza: a via aérea começou a ser adotada em meio à escalada da crise (Khames Alrefi/Anadolu/Getty Images)

Um giro pelas estradas israelenses é revelador de como o 7 de Outubro nem de longe deixou de ser ferida aberta, e provavelmente nunca deixará. No sul do país, o parque que abrigou a rave onde 364 pessoas, a maioria jovens, perderam a vida no ataque do Hamas, virou espécie de memorial, onde placas contam a biografia abreviada de cada um. Avista-se por lá a foto de Gaya Halifa, que aos 23 anos andava ansiosa pelo início dos estudos de economia. Foi quase em tempo real que ela informou os pais do passo a passo da tragédia, da qual não escapou. “Estou ouvindo tiros”, “Estou o.k.”, “Estou fugindo de carro com um amigo”, dizia ao celular. Até que veio um estrondo, e Gaya avisou: “Estão atirando na gente”. Deu ainda para ouvir uma última respiração. A mãe, Sigal Halifa, 55 anos, desabafa: “Naquela outra vida, eu dormia e achava que tudo ficaria bem. Nesta nova, aprendi que não tenho controle sobre nada”. A maior parte do tempo serena, ela deixa entrever uma revolta: “O episódio foi um erro terrível e não só Netanyahu, mas todos do governo deveriam renunciar por não terem feito o seu trabalho”, defende.

“ELE TEM MUITO MEDO” - Na praça dos reféns, em Tel Aviv, Yehuda Cohen, 55, celebra os 21 anos do filho Nimrod, que já passou dois aniversários em cativeiro. “Ouvi relatos de que vive no escuro e com pavor de ser morto”, conta o pai, que se indigna contra Netanyahu. “Ele só representa a si mesmo”, dispara.
“ELE TEM MUITO MEDO” – Na praça dos reféns, em Tel Aviv, Yehuda Cohen, 55, celebra os 21 anos do filho Nimrod, que já passou dois aniversários em cativeiro. “Ouvi relatos de que vive no escuro e com pavor de ser morto”, conta o pai, que se indigna contra Netanyahu. “Ele só representa a si mesmo”, dispara. (Felipe Wolokita/.)

Outro epicentro dos ataques, o kibutz Nir Oz, onde antes viviam mais de 400 pessoas sob o espírito coletivo típico dessas moradias, registrou à época 117 mortos ou reféns, nove deles até agora com o Hamas. O lugar está às moscas, com as casas em destroços guardando apenas resquícios do antigo dia a dia — um espelho, um brinquedo, uma foto — e ainda cheirando a queimado. Grande parcela da população dali, sem casa nem perspectiva, se bandeou para outras cidades, como Silvia Cunio, 62 anos, mãe de David e Ariel, na lista dos sequestrados. “A espera está me matando”, resume ela, exibindo um colar com um pingente para cada um dos quatro filhos, que lhe traz uma “devastadora sensação de incompletude”. Com o céu sem nuvens, do kibutz dá para visualizar Gaza projetada na paisagem, a pouco mais de 1 quilômetro. Um desavisado nunca diria que algo terrível se passa por lá, não fossem as bombas, uma atrás da outra — frequência que já não interrompe nenhum afazer.

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TRAJETÓRIA ABREVIADA - Às vésperas de começar os estudos de economia, Gaya Halifa (no cartaz) perdeu a vida aos 23 anos, na rave em que estava no 7 de Outubro. Ela tentava fugir de carro (na foto) quando foi atingida. “Minha existência se divide entre antes e depois da partida precoce dela”, diz a mãe, Sigal Halifa.
TRAJETÓRIA ABREVIADA – Às vésperas de começar os estudos de economia, Gaya Halifa (no cartaz) perdeu a vida aos 23 anos, na rave em que estava no 7 de Outubro. Ela tentava fugir de carro (na foto) quando foi atingida. “Minha existência se divide entre antes e depois da partida precoce dela”, diz a mãe, Sigal Halifa. (Felipe Wolokita/.)

As imagens de crianças com o corpo vergado pela fome circulam pouco pela TV israelense. Outro dia, o maior canal local, o 12, reservou espaço para o assunto, o que por si só virou notícia, tamanha a raridade. É verdade que, nas últimas semanas, a fatia mais progressista da população tem ido vez ou outra às ruas de cidades como Tel Aviv e Haifa protestar contra a escalada da crise humanitária em Gaza — o vizinho que Israel controlou entre 1967 e 2005. Naquele ano, uma eleição realizada com a anuência de todos os lados deu a vitória ao Hamas, estimulado pelas famosas malas de dinheiro vindas do Catar com a concordância israelense. “Um argumento muito usado pela população daqui para se eximir de qualquer responsabilidade pela situação dos palestinos é: ‘Nós deixamos a terra para vocês e vocês escolheram o Hamas’”, observa o historiador João Miragaya, assessor do Instituto Brasil-Israel (IBI), há mais de uma década vivendo no país.

No dia em que a reportagem de VEJA esteve na fronteira de Gaza, na altura de Rafah, com outros jornalistas brasileiros, uma integrante do Exército de Israel, o IDF, afirmava que um ingresso de até 120 caminhões havia sido autorizado, mas não mais do que trinta estavam entregando tão preciosa carga — culpa, segundo o IDF, de organizações internacionais que não cumprem sua missão “por falta de cooperação”. A ONU enfaticamente nega, dizendo não haver garantia mínima de segurança para a operação. Após a suspensão de um segundo cessar-fogo em fevereiro, o território chegou a ficar três meses à míngua, até que o governo de Israel decidiu, com apoio dos Estados Unidos, eleger como principal distribuidora local de comida a Fundação Humanitária de Gaza (GHF), uma empresa americana pouco experiente que reduziu a entrega a quatro pontos (contra os 400 de antes). Isso obriga multidões a cruzar quilômetros em um esquema militarizado que, não raro, acaba em tiros. A razão para a mudança na entrega dos mantimentos teria sido motivada, conforme a versão oficial, pelos frequentes saques das cestas por parte de membros do Hamas. “Os soldados atiram quando se sentem ameaçados, obedecendo a um protocolo de segurança”, justifica Nadav Shoshani, porta-voz internacional do IDF.

NA PAREDE - Netanyahu: até aliados próximos tecem pesadas críticas a ele
NA PAREDE - Netanyahu: até aliados próximos tecem pesadas críticas a ele (Gil Cohen-Magen/AFP)
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Mais de 1 000 pessoas, de acordo com o Escritório de Direitos Humanos da ONU, morreram nas imediações dos centros onde buscavam aplacar a fome, vítimas de ações do IDF, que não confirma a informação. “Os palestinos de Gaza enfrentam uma escolha impossível: morrer de fome ou arriscar ser mortos a tiros”, conclui um relatório assinado por 170 entidades humanitárias. Na fronteira, uma cesta com o logo da GHF foi aberta para tornar o conteúdo visível: dois pacotes de macarrão, 10 quilos de farinha, 5 quilos de batata, sal, tahine, grão-de-bico, lentilha, óleo de cozinha. VEJA pediu à doutora em nutrição Anete Mecenas que avaliasse o valor nutricional do pacote. “Há déficit de vitaminas, zinco, cálcio, ferro, fibras alimentares e proteína completa — escassez que pode levar à desnutrição e ao déficit de crescimento no longo prazo”, explicou a nutricionista. O cenário em Gaza, onde 2 milhões de habitantes foram obrigados a deixar suas casas e se espremem em 12% do território, choca até mesmo quem acumula estrada em terrenos onde a condição humana é constantemente posta à prova. “Já trabalhei em mais de vinte países, como Afeganistão, Somália, Iêmen, mas nunca vi tanta bomba e tantas pessoas na emergência hospitalar ao mesmo tempo, todos os dias”, relata o brasileiro Paulo Reis, da ONG Médicos sem Fronteiras, que passou dois meses no enclave e planeja voltar em agosto.

PRESSÃO NO AR - Balão olímpico paira sobre Paris em apoio a Gaza: França reconhecerá Estado palestino
PRESSÃO NO AR - Balão olímpico paira sobre Paris em apoio a Gaza: França reconhecerá Estado palestino (Hugo Mathy/AFP)

O cenário de terra devastada em Gaza, sem uma resolução no horizonte, mobilizou a comunidade internacional em grau inédito desde o início do conflito, e a crítica ao governo Netanyahu escalou vários degraus. Uns dias atrás, o primeiro-ministro, que continua negando a escassez de insumos na região, se mexeu para tentar dar uma freada na pressão, elevada pelo anúncio do presidente Emmanuel Macron de que a França vai engrossar o grupo de países que reconhecem o Estado palestino, o primeiro no rol do G7, no que pode ser seguida pelo Reino Unido e pelo Canadá. O premiê autorizou a entrega de comida vinda da Jordânia e dos Emirados Árabes Unidos por via aérea, implantou novos corredores humanitários para escoar alimentos e decretou pausas de dez horas nos ataques em porções do enclave. Pode até ajudar, mas é reação para lá de tímida diante do que testemunhou o médico Paulo Reis. “Se as crianças catam lixo lá? Não. Não há sobra de nada em Gaza”, diz.

Ao abrir novas frentes de batalha no incandescente Oriente Médio — Irã, Líbano, Iêmen e, mais recentemente, a Síria —, Netanyahu deu demonstração de força, colheu vitórias, mobilizou a Casa Branca e agradou a partidos da direita radical que hoje o sustentam no poder. “Netanyahu incorporou o discurso da extrema direita que se espalha pelo mundo, cultivando o ódio aos árabes e às elites intelectuais”, analisa o historiador Michel Gherman, especialista no tema. O conjunto de movimentos do primeiro-ministro em nada sinaliza para o fim da guerra nem aponta para a criação de um Estado palestino englobando Gaza e a Cisjordânia, outro ponto sob tensão sobre o qual Israel avança, em afronta às leis internacionais.

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VISÃO - Einstein em Jerusalém, em 1923: o saber seria vacina contra a intolerância, que ele já temia
VISÃO - Einstein em Jerusalém, em 1923: o saber seria vacina contra a intolerância, que ele já temia (Ir. B. Carrière/Courtesy of The École Biblique Jerusalem/.)

Antes do 7 de Outubro, 51% dos israelenses eram a favor da solução dos dois Estados, trilha que caiu em descrença à medida que hostilidades de lado a lado se exacerbaram — hoje são apenas 25% a favor de caminhar nesta direção. Dentre as propostas diversas para o futuro de Gaza, a maioria delas estapafúrdia, como a de Trump de transformar tudo aquilo em um resort a céu aberto, falou-se da fundação de um campo com entrada e saída controlada para abrigar a princípio 600 000 palestinos, iniciativa apelidada pelo governo israelense de “cidade humanitária” e que acabou fornecendo mais munição às acusações de limpeza étnica.

São ideias que se distanciam dos pilares sobre os quais Israel se ergueu, até se estabelecer como país em 1948, após um genocídio que varreu 6 milhões de judeus do mapa. Nos anos 1920, o genial físico alemão Albert Einstein, que como outros enxergava no convívio com os árabes uma potencial fonte de harmonia e progresso que beneficiaria os dois lados, fez um discurso na Universidade Hebraica de Jerusalém em que já externava preocupação com a intolerância, para a qual a vacina seria o saber. “O verdadeiro objetivo da ciência e do conhecimento não é dominar a natureza ou o próximo, mas libertar o espírito humano da ignorância e do preconceito”, disse. Sempre à frente de seu tempo, o homem que mudou a compreensão sobre o mundo à sua volta antevia a tensão que por décadas vem alimentando ódios e implodindo o bom senso — um pré-­requisito para a paz duradoura no Oriente Médio.

Publicado em VEJA de 1º de agosto de 2025, edição nº 2955

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