Guerra dos Seis Dias: os conquistadores por acidente
Veja as fotos de Jerusalém antes e depois da guerra que completa 50 anos nesta semana
Em 7 de junho de 1967, os paraquedistas israelenses do 71º batalhão aproximaram-se do Muro das Lamentações, em Jerusalém, e chamaram o rabino Schlomo Goren, capelão-mor do Exército de Israel, que estava perambulando por ali. “Quando o rabino Goren desceu ao Muro, ficou tão emocionado que mal tinha fôlego. Pôs o shofar nos lábios, mas o som não saía”, relatou o soldado Benny Ron ao escritor Steven Pressfield, no livro A Porta dos Leões (Contexto). Ao ver a dificuldade do rabino com o instrumento de sopro feito com chifre e usado nas celebrações judaicas, o major Uzi Eliam se ofereceu: “Rabino Goren, eu toco trompete. Posso tentar?”.
O som que se ouviu selou a mescla entre a conquista militar na Guerra dos Seis Dias, entre 5 e 11 de junho de 1967, com as aspirações religiosas do povo judeu. Pela segunda vez desde 1948, os israelenses resistiram às tentativas árabes de destruir o país — e ainda recuperaram o direito de orar no Muro, fechado para eles havia anos. O saldo de mortos foi devastador para um período tão curto: 18 000 árabes (dois por minuto) e 700 judeus.
A guerra que em grande parte forjou Israel como é hoje faz cinquenta anos. O conflito foi, acima de tudo, uma prova da capacidade de resistência dos israelenses, que frustraram a ambição do presidente egípcio Gamal Abdel Nasser de aniquilá-los. Mas a vitória também trouxe consequências inesperadas, ao transformar Israel, a contragosto, em um Estado conquistador. A Cidade Velha, que não aparecia nos planos de batalha, foi tomada, assim como as Colinas de Golã, a Faixa de Gaza, a Cisjordânia e a Península do Sinai. É por causa dessa série de conquistas que os atuais planos de paz quase sempre falam em voltar às fronteiras “pré-1967”. Alguns desses territórios foram devolvidos, como o Sinai e Gaza. Outros não, o que abriu a possibilidade de revanchismos futuros.
Para os mais críticos, um dos problemas criados foi o fortalecimento do poderio militar em Israel. “As conquistas espetaculares de 1967 plantaram nas Forças Armadas a ideia de que o ataque é a melhor defesa. Esse pensamento, depois, acabou envolvendo o país em guerras desnecessárias”, diz o historiador israelense Guy Laron.
Outro efeito indesejável da Guerra dos Seis Dias foi a hegemonia religiosa. Apesar de ter sido fundado em bases socialistas, seculares e modernas, o país acabou se inclinando para visões messiânicas e nacionalistas. Para muitos, a sobrevivência no conflito — que eles pensavam ser um novo Holocausto — só ocorreu graças à intervenção divina. A posse do Muro das Lamentações foi uma indicação de que os locais sagrados do judaísmo, incluindo toda a Palestina, deveriam permanecer com os israelenses.
“Uma decisão tomada por pânico, uma conquista que nunca foi planejada, uma vitória militar roubada à beira da catástrofe, tudo isso modificou aqueles que acreditavam, aqueles que não acreditavam em nada e aqueles que buscavam acreditar em alguma coisa”, escreveu o historiador inglês Simon Sebag Montefiore na obra Jerusalém, a biografia (Companhia as Letras).
Dez anos depois, o partido Likud, de direita e nacionalista, desbancou pela primeira vez os trabalhistas, que governavam desde 1948. Sob o manto religioso, as negociações de paz ficaram mais difíceis, ainda que o poder tenha trocado de mãos muitas vezes e que os palestinos tenham uma boa cota nos sucessivos fracassos. O Likud, hoje liderado pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, faz pouco para retomar as conversas.
Humilhado no Sinai, o egípcio Nasser ligou para o rei Hussein, da Jordânia, com uma evasiva. Ele deveria dizer que os árabes foram derrotados pelos Estados Unidos e pela Inglaterra, e não apenas Israel. A desculpa não colou. Dentro do Egito, os nacionalistas perderam apoio para os fundamentalistas da Irmandade Muçulmana, berço de vários grupos terroristas atuais.
O governo dos Estados Unidos ficou exultante com Israel, que passou a ser considerado um aliado estratégico contra as ditaduras árabes que se aproximavam da União Soviética. Depois de 1967, o que parecia impossível aconteceu: o Oriente Médio ficou ainda pior.
Confira as fotos de Jerusalém antes e depois da Guerra
Uma visão geral mostra o bairro de Jerusalém Oriental, no primeiro plano, e o Monte das Oliveiras, ao fundo
Vista para a Cidade Velha de Jerusalém a partir do Monte das Oliveiras
Na calçada da cidade velha de Jerusalém, café mudou de nome, mas construção permanece inalterada
Portão de Damasco, na entrada da Cidade Velha de Jerusalém
Cúpula da Rocha, no Monte do Templo, um dos locais mais importantes para o islamismo, na Cidade Velha de Jerusalém
Homens e mulheres em seções separadas enquanto visitam o Muro das Lamentações, o local de oração mais sagrado do judaísmo, na cidade velha de Jerusalém
O túmulo de Avshalom e o Jardim do Getsêmani são vistos em Jerusalém
Arco e rampa que levam à fonte de Sabil Qaitbay, no Monte do Templo, na Cidade Velha de Jerusalém
Cúpula da Rocha, no Monte do Templo, na Cidade Velha de Jerusalém
Praça em frente a Cúpula da Rocha, no Monte do Templo, na Cidade Velha de Jerusalém