‘Good morning, America!’ A voz do Kremlin chega a Washington
Putin montou um incrível aparato de propaganda no exterior para meter a colher na política interna alheia — e, de quebra, posar de poderoso em casa
Good morning, America! Assim mesmo, em inglês, iniciou-se a primeira transmissão de uma emissora de rádio russa instalada bem na capital dos Estados Unidos. A quatro quarteirões da Casa Branca, a Sputnik transmite 24 horas diárias de programação desde julho passado. Entrevistas, reportagens e comentários são dirigidos ao público de Washington D.C. e de algumas áreas do Estado de Virgínia. Criada e financiada pelo governo de Vladimir Putin, a emissora é uma máquina de propaganda estatal coordenada do Kremlin. “A regra é fazer os Estados Unidos parecer idiotas e idolatrar as realizações da Rússia”, disse um ex-funcionário a VEJA. Quem sintoniza o dial de seus aparelhos na frequência 105,5 escuta o que seus diretores definem como um cardápio alternativo de notícias. O patrão, Putin, é a estrela. Seus atos são exaltados no mais clássico estilo soviético.
Na semana passada, o noticiário destacou a ação do Kremlin para encontrar uma solução pacífica para a questão nuclear da Coreia do Norte, um dos maiores desafios do governo de Donald Trump. Os aliados sempre são mencionados com complacência, e as questões de Cuba e do Irã são tratadas com críticas às intervenções americanas. “Eles fazem pura propaganda. A intenção é causar danos à política americana, criando tensões sociopolíticas entre grupos rivais e sujando a reputação dos Estados Unidos no exterior”, diz o historiador Stephen Blank, de Washington. Nada, a rigor, que o próprio governo americano já não tenha feito também.
A diferença substancial, agora, está na tentativa russa de ditar os rumos dos acontecimentos, espalhando rumores e manipulando as redes sociais. Suspeita-se que nos últimos dezessete meses os russos interferiram em pelo menos quatro importantes pleitos ao redor do mundo: o referendo do Brexit na Inglaterra, em junho de 2016; as eleições presidenciais nos Estados Unidos, em novembro do ano passado; as da França, em maio deste ano; e o plebiscito sobre a separação da Catalunha, em outubro. Metade dos perfis falsos criados nas redes sociais para favorecer os independentistas de Barcelona era de russos. Em todas essas incursões, os agentes de Putin disseminaram notícias falsas ou distorcidas para defender o desfecho que interessava ao Kremlin ou simplesmente para lançar dúvidas sobre a democracia ocidental.
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