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Frei revoluciona ensino de Ciências no Quênia e vence premiação mundial

O franciscano Peter Tabichi traz criatividade às aulas da escola de chão batido de Nakuru e recebe o prêmio Professor Mundial da Fundação Varkey

Por Denise Chrispim Marin Atualizado em 5 jul 2019, 14h37 - Publicado em 5 jul 2019, 14h02

As aulas de Matemática e Ciências de Peter Tabichi na remota vila de Pwani, no Quênia, jamais excluem boa dose de criatividade. Nas salas de chão batido da Escola Secundária Diurna Mista Kericho, este frei franciscano de 37 anos prefere levar os adolescentes ao pátio e pendurar um balanço em uma árvore para demonstrar a lei da gravidade, usa instrumentos simples para explicar os princípios da Química e da Física e se vale do único computador disponível para trazer a experiência científica e transformar a vida de seus estudantes.

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O  frei franciscano Peter Tabichi recebe o Prêmio Professor Global de 2019, da Fundação Varkey, em Dubai – 23/03/2019 (Fundação Varkey/Divulgação)

Em março, Tabichi recebeu em Dubai, nos Emirados Árabes, o Prêmio Professor Global da Fundação Varkey, em uma difícil escolha entre dez finalistas de diferentes partes do mundo, inclusive do Brasil. Fundada pelo bilionário indiano Sunny Varkey, essa entidade é parceira da Fundação Victor Civita, do Brasil, que há 20 anos promove o Prêmio Educador Nota 10. Tabichi visitou São Paulo na semana passada, justamente na etapa de seleção dos finalistas dessa premiação brasileira.

Com o cheque de 1 milhão e dólares recebido como prêmio da Fundação Varkey, a ser destinado integralmente a obras e projetos na escola Kericho, o franciscano viajará ao longo de um ano por vários países para expor seu método de ensino e assimilar experiências locais. Antes de embarcar, porém, teve o cuidado de deixar em Pwani um substituto devidamente treinado para dar continuidade a seu trabalho.

“Assim que eu terminar as viagens, aproveitarei todo o tempo com meus alunos”, afirmou a VEJA, em visita a São Paulo. “O dinheiro não será suficiente para resolver todos os problemas da comunidade, mas dará maior chances aos nossos projetos de plantio de árvores e de acesso à água e à internet e permitirá o intercâmbio de estudantes a outros lugares do Quênia e a outros países. A escola será totalmente diferente daqui a um ano. Será brilhante.”

Sem wifi

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Laboratório: Tabichi acompanha experiências de seus alunos da Escola Secundária Mista Kericho – 2019 (Fundação Varkey/Divulgação)
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Os estudantes de Tabichi não conhecem na prática a rede wifi, de internet sem fio. O computador disponível na escola está conectado a um provedor que oferece serviço lento e sujeito a frequentes quedas. Boa parte dos alunos têm de caminhar até sete quilômetros para alcançar a escola, para muitos a fonte da única refeição do dia. Mas, em meio à precariedade, duas alunas desenvolveram um projeto de geração de eletricidade a partir de extrato de plantas e sementes sob sua orientação.

Quando chegou à escola Kericho, em 2016, o franciscano encontrou uma sala chamada de laboratório munida apenas de alguns instrumentos precários. Ele  foi incumbido de dividir com outros seis professores a tarefa de ensino de mais de 300 adolescentes pobres. Muitas delas estão expostas a drogas, gravidez, abusos e, não raro, são conhecidos casos de suicídio.

O cenário era bem diferente do que ele vivenciara nos três anos anteriores, quando lecionara a estudantes de classe média de um colégio particular em Nakuru. O conforto, os equipamentos apropriados e o piso de cerâmica nas salas ficaram no seu passado. Tabichi teve de se acostumar à poeira que levantava do chão cada vez os estudantes caminhavam, deixando suas pegadas no solo. Mais desafiador foi encontrar os métodos mais eficazes para engajar nas salas de aula adolescentes tão vulneráveis.

“Os estudantes vêm de famílias muito pobres e têm uma autoestima muito baixa. Meu trabalho é ensiná-las, da melhor forma possível, e dar a elas a oportunidade de brilharem, de valorizarem seus potenciais”, afirmou. “Acreditei que aquela escola poderia fazer algo especial para aquelas crianças.”

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Clube de Ciências

Uma de suas iniciativas foi a criação do Clube de Ciências, no qual participam as autoras do projeto de geração de energia. A intenção foi estimular e orientar os estudantes a realizar pesquisas e a criar soluções, mesmo com materiais e instrumentos precários. O resultado surpreendeu. Dos projetos ali elaborados, 60% disputam competições nacionais no Quênia.

Um aparelho para ajudar cegos a mensurarem objetos, desenvolvido por seus alunos, foi exposto na Feira de Ciência e Engenharia do Quênia de 2019. As meninas do projeto de energia venceram o Prêmio da Sociedade Real de Química, e a equipe de Matemática competirá na Feira Internacional de Ciência e Engenharia deste ano no Arizona, nos Estados Unidos.

Clube da Paz

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Peter Tabichi em palestra: plantio de árvores e aulas de cidadania para unificar sete etnias – 01/08/2018 (Arquivo Pessoal/ Peter Tabichi/Divulgação)
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Peter Tabichi vem de um lugar não muito diferente, a remota Kisii, a 200 quilômetros de Nakuru. Ao contrário da maioria das crianças a quem ensina, filha de agricultores, sua família era de professores humildes. “Meu pai, dois de meus irmãos, meus tios e primos são todos professores”, relata, com orgulho. “Meu pai sempre foi uma inspiração para mim. Adorava vê-lo corrigindo as provas ou falando com orgulho de seus ex-alunos que se tornaram engenheiros e médicos”, completa Tabichi.

A religiosidade de sua família católica foi outro componente essencial de sua formação. Desde criança, atuava como coroinha e, no final do ensino secundário, decidiu inscrever-se na Ordem Franciscana, na qual fez seus votos há sete anos. “São Francisco de Assis sempre foi outra inspiração para mim.”

Sua própria formação o fez olhar para além das crianças e adolescentes nas salas de aula e alcançar suas famílias e suas condições sociais. Assim como tantas outras regiões do Quênia, Nakuru é o lar de pessoas provenientes de sete etnias, enraizadas em diferentes costumes e idiomas e nem sempre simpáticas entre si. Em 2007, a região foi palco de um conflito étnico em torno dos resultados das eleições presidenciais que deixou 1.300 mortos.

Como os estudantes da escola Keruchi vêm dessas sete tribos, Tabichi logo compreendeu que teria de conseguir meios de unificá-los. Um deles foi a criação do Clube da Paz, no qual os estudantes e suas famílias são chamados para atividades conjuntas, como o plantio de árvores, as corridas – ele ele pratica  diariamente – e os debates nos finais de semana.

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Em outra atividade unificadora e extra-curricular, o frei expõe aos pais de seus estudantes as técnicas mais adequadas de cultivo de alimentos naquela região do semi-árido, comumente afetada por secas.

Nas salas de aula, além das disciplinas curriculares, os estudantes passaram a receber e a debater os valores da cidadania e do respeito mútuo, com expectativa do professor de alcançar uma parcela maior da comunidade. “Há três a quatro alunos meus em cada família de Pwani, e eu os encorajo a compartilhar com seus parentes os conhecimentos que recebem”, afirmou.

O frei queniano vive na comunidade franciscana de Nakuru e destina 80% de seu salário para o fundo de obras sociais da ordem, que promove ações em escolas de toda a região. Conforme afirmou a VEJA, seu modo de vida permite reservar boa parte dos 20% restantes na ajuda aos estudantes. “Tenho muito pouco para mim”, afirma.

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