Efeito Brexit: violência explode na Irlanda do Norte
Mais de 55 policiais ficaram feridos em mais de seis noites consecutivas de protestos, em um nível de agitações 'não visto em anos'
Há uma semana, manifestações na Irlanda do Norte apontam para uma escalada da violência na região, onde as consequências do Brexit geraram revolta entre grupos sindicalistas tradicionalmente alinhados com o Reino Unido. Na noite da última quarta-feira, 7, a sexta consecutiva de protestos, já eram mais de 55 policiais feridos, em um nível de agitações “não visto em anos”.
A violência despontou na cidade de Londonderry, antes de se espalhar para a capital Belfast e arredores no último final de semana. Nos protestos, carros foram incendiados, e ativistas atiraram coquetéis molotov contra a polícia.
Violence on both sides of the interface at Lanark Way now. Calm is needed on BOTH sides of the gates before we are looking at a tragedy. These are scenes we hoped had been confined to history. @NIPolicingBoard @NIOgov @PoliceServiceNI pic.twitter.com/SjtWq10UFo
— Police Federation for Northern Ireland (@PoliceFedforNI) April 7, 2021
“Não há dúvida de que o Brexit e com ele a introdução de controles alfandegários nas mercadorias que chegam da ilha do Reino Unido prejudicou significativamente o equilíbrio de forças”, afirmou Duncan Morrow, professor de ciência política da Universidade de Ulster, à agência de notícias AFP. Segundo o especialista, é algo que “vem crescendo há meses”.
Os incidentes reacendem cicatrizes de três décadas, no conflito entre nacionalistas católicos e sindicalistas protestantes, que deixou cerca de 3.500 mortos. O acordo de paz assinado em 1998 dissolveu a fronteira entre a província britânica e a vizinha República da Irlanda — um país integrante da União Europeia — mas o Brexit veio minar esse delicado equilíbrio, exigindo a introdução de controles alfandegários entre o Reino Unido e o bloco.
Após tensas e longas negociações, Londres e Bruxelas chegaram a um acordo sobre uma solução, conhecida como “protocolo da Irlanda do Norte”. O mecanismo impede o retorno a uma fronteira física na ilha da Irlanda, transferindo esses controles para portos norte-irlandeses. No entanto, sindicalistas da Irlanda do Norte, ligados à sua filiação no Reino Unido, sentem-se traídos.
O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, “prometeu acesso irrestrito, o que não é o caso”, informou a ministra da Justiça do governo regional da Irlanda do Norte, Naomi Long, à BBC na quarta-feira.
A parlamentar Louise Haigh também acusou o premiê de ser responsável pela perda de confiança na comunidade leal, citando suas declarações sobre o Brexit na corrida para as eleições de 2019.
“Fazer uma promessa como ele fez quando se levantou na Irlanda do Norte e jurou à comunidade sindical que nunca iria impor uma fronteira marítima e, então, alguns meses depois, fez exatamente isso, mostrou uma profunda falta de integridade”, disse.
Em meio à crescente crise política, a Assembléia da Irlanda do Norte uniu-se em condenação de uma sétima noite de tumultos — incluindo um ataque a um ônibus com molotov — e aprovou uma moção pedindo o fim da violência. Segundo a polícia, manifestantes também atiraram garrafas e fogos de artifício contra agentes e veículos, e um fotógrafo do Belfast Telegraph foi atacado. Oito policiais ficaram feridos nos protestos de quarta-feira.
O secretário da Irlanda do Norte, Brandon Lewis, voou para Belfast para conversas de emergência para tentar acalmar as tensões. A polícia revelou que cerca de 600 pessoas estavam envolvidas em manifestações na última quarta-feira, 7, no que eles descreveram como uma escala de violência não vista há décadas.
Lewis declarou que vai se reunir com a comunidade, líderes religiosos e políticos para clamar pela pacificação. “Farei tudo o que estiver ao meu alcance para continuar a facilitar discussões construtivas sobre o caminho a seguir nos próximos dias. Continuo em contato próximo com o primeiro-ministro para mantê-lo atualizado”.
Alguns sinais de redução das tensões surgiram nesta quinta-feira, quando o Grupo de Pesquisa Política do Ulster, ligado à organização paramilitar Associação de Defesa do Ulster, pediu o fim da violência, dizendo que “distúrbios nas ruas não resolverão nossos problemas”.