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Covid-19 sob controle: em Nova York, sensação é de vitória sobre o vírus

Os nova-iorquinos voltam a ocupar as ruas, parques e restaurantes, felizes por poder sair de novo e, melhor ainda, sem ter de esbarrar em turistas

Por Felipe Carneiro, de Nova York
Atualizado em 4 jun 2024, 13h55 - Publicado em 30 abr 2021, 06h00

Parece que foi há um século, mas faz só um ano. Em abril de 2020, a cidade de Nova York era o epicentro mundial de Covid-19, com a pandemia ceifando mais de 800 vidas por dia, um lockdown rigoroso em vigor — para desgosto do então presidente nova-iorquino Donald Trump — e quarentena obrigatória a quem chegasse de fora. Os musicais da Broadway saíram de cena, os restaurantes premiados foram substituídos pelo delivery mais próximo e o glamour da vida noturna deu lugar a papos via aplicativos de paquera, eles e elas de moletom. Agora, graças à vacina, Nova York é pura alegria. Depois de um início claudicante, a imunização embalou e hoje qualquer pessoa maior de 16 anos pode entrar em uma farmácia, sem hora marcada, e tomar sua dose contra o novo coronavírus. Apesar das regras e limites para o funcionamento de espaços públicos, a vida, tal qual as tulipas que colorem parques e canteiros, floresce com a primavera. “Eu cheguei a pensar que Nova York tinha acabado. Mas, com a vacina, há um alívio palpável no ar”, anima-se o trumpetista Eganam Segbefia. Sua previsão para a mudança de estações no Hemisfério Norte: “Vem aí o melhor verão da história”.

Bares e restaurantes fechados até outro dia estão povoados, os campeonatos esportivos foram retomados com torcedores vibrando nas arenas, as crianças correm pelos parques depois da escola e os duplamente vacinados dispensam a máscara ao ar livre, conforme o novo protocolo sanitário americano. Os mais entusiasmados são os solteiros desacompanhados e saudosos de um tête-à-tête — metade dos apartamentos de Manhattan tem um só morador. Aplicativos de relacionamento estão lotados de fotos de cartões de vacinação, salvo-­conduto para os chamados encontros IRL (sigla de in real life, ou na vida real). A história conta a favor. “Há registros de festas intermináveis depois da peste negra, na Idade Média, e o fim da epidemia da gripe espanhola deu origem aos frívolos e agitados anos 1920”, lembra o médico e sociólogo Nicholas Christakis, que escreveu um livro sobre o impacto da pandemia no estilo de vida.

INVASÃO - Mesas na calçada e em ruas sem carros: a volta dos restaurantes -
INVASÃO - Mesas na calçada e em ruas sem carros: a volta dos restaurantes – (Alexi Rosenfeld/Getty Images)

A sensação de vitória sobre o vírus que se observa nas ruas de Nova York tem sólidos alicerces na vacinação em larga escala. Mais de 80% dos idosos e demais grupos de risco estão 100% imunizados e metade da população já tomou ao menos uma dose da vacina. A doença, no entanto, continua presente. Na terça-feira 27, a média de novos infectados caíra 41% em duas semanas, mas ainda tinha quase 2 000 casos por dia, e a de vítimas fatais, igualmente em queda, persistia no patamar de 36 mortes diárias. Nesse cenário, o governador Andrew Cuomo, mesmo ávido por boas notícias que enterrem as denúncias de assédio sexual e manipulação de dados da pandemia que recaem sobre ele, pede juízo aos nova-iorquinos e comanda uma abertura bem gradual. Os estádios voltaram com um limite de ocupação de 20% (a partir de 19 de maio, sobe para um terço). No Madison Square Garden, um ginásio fechado, os jogos de basquete têm 10% das cadeiras à disposição (2 000 pessoas). Restaurantes e bares só podem ocupar metade do espaço interno, mas aproveitam a permissão extraordinária para espalhar mesas pela calçada e até em ruas fechadas a carros. Lojas, museus, cinemas, clubes de comédia e a Estátua da Liberdade podem abrir com até 100 pessoas no espaço interno ou 200 em áreas abertas.

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O limite de ocupação dos escritórios está em 50%, com promessa de chegar a 75% a partir de meados de maio, mas quem pode trabalhar em casa tem optado pelo home office, pelo menos alguns dias na semana. Uma pesquisa divulgada em março pela Partnership for New York City, que reúne empresários locais, mostra que apenas 10% dos funcionários de escritórios hoje batem ponto diariamente. Com isso, os almoços de negócio de senhores engravatados e mulheres bem-arrumadas mudaram de feição. “Não faz sentido vestir um terno e se deslocar até o centro para um encontro com clientes”, diz o analista de recursos Carl Sabart. “Optamos por restaurantes das áreas mais residenciais, com roupas casuais.”

Um comentário na boca de todos é o prazer de circular pela cidade mais cosmopolita do planeta praticamente sem topar com turistas — Nova York recebeu 66 milhões de visitantes em 2019 e um terço, 22 milhões (concentrados nos três primeiros meses), no ano passado. A mudança, catastrófica para a economia, é saudada pelos moradores, que pela primeira vez se sentem donos de sua própria cidade. “A gente reencontra amigos e conhece pessoas novas e os assuntos são: qual vacina cada um tomou e como é bom passear sem esbarrar em ninguém e ir a um restaurante sem fazer reserva”, comemora a publicitária Frances Moretti. Os turistas certamente voltarão, mas não vai ser já — dos brasileiros, exige-se quarentena de catorze dias em um terceiro país para entrar nos Estados Unidos (com exceção dos estudantes com visto, que acabam de ter liberada a entrada no país). Livres das multidões tirando selfies, os nova-iorquinos celebram as delícias de renascer com a primavera.

Publicado em VEJA de 5 de maio de 2021, edição nº 2736

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