Copa do Mundo: Austrália é primeira seleção a criticar abertamente o Catar
País é acusado de abusar frequentemente dos direitos humanos e de causar a morte de milhares de trabalhadores migrantes durante as obras do torneio
A seleção de futebol da Austrália se tornou nesta quinta-feira, 27, a primeira das participantes da Copa do Mundo 2022 a condenar declaradamente os abusos dos direitos humanos no Catar, país anfitrião.
A federação australiana de futebol afirmou que a exploração de trabalhadores migrantes durante a construção dos estádios “não pode ser ignorada” e instou o país a legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo, em um dos protestos mais significativos do torneio até agora.
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— Professional Footballers Australia (@thepfa) October 26, 2022
O principal torneio de seleções de futebol do mundo, que começa em 20 de novembro, está cercado de polêmicas desde que foi anunciado que o Catar seria o país anfitrião, há 12 anos.
“Reconhecemos o progresso significativo e as reformas legislativas que ocorreram no Catar nos últimos anos para reconhecer e proteger os direitos dos trabalhadores e incentivamos todas as partes interessadas a continuar esse caminho de reforma”, disse a federação em comunicado. “No entanto, também sabemos que o torneio foi associado ao sofrimento de alguns trabalhadores migrantes e suas famílias e isso não pode ser ignorado”, completa.
A declaração foi acompanhada de um vídeo publicado no Twitter com falas de 16 jogadores que estarão presentes no torneio. Na publicação, eles dizem ter usado os últimos dois anos para entender a situação do Catar e que “não somos especialistas, mas ouvimos grupos como a Anistia Internacional, a Fifa, e o mais importante, os trabalhadores migrantes”.
O Catar tem sido criticado globalmente por acusações envolvendo o tratamento de trabalhadores estrangeiros na preparação para o espetáculo global. Muitos dos imigrantes foram alojados em campos de trabalho precários, tiveram compensação inadequada e foram forçados a permanecer no país por meio de passaportes confiscados.
Em relatório publicado no ano passado, a Anistia Internacional afirma que o Catar falhou em investigar as mortes de dezenas de trabalhadores migrantes na última década. De acordo com a organização de direitos humanos, a maioria das mortes de migrantes no país foi atribuída a “causas naturais”, falhas cardíacas ou respiratórias. As classificações, no entanto, são “sem sentido” quando não há a verdadeira causa da morte explicada, afirma um especialista citado no documento.
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Nesta semana, o xeque do Catar, Tamim bin Hamad Al-Thani, criticou os “duplos padrões” desencadeados no que ele descreveu como uma “campanha sem precedentes” de críticas ao histórico de direitos de seu país.
“Desde que conquistamos a honra de sediar a Copa do Mundo, fomos submetidos a uma campanha sem precedentes que nenhum país anfitrião enfrentou”, disse ele ao conselho legislativo do Catar.
Faltando um mês para o início da competição, a Fifa confirmou que está em negociações para a criação do fundo de compensação para trabalhadores migrantes feridos nas obras do evento esportivo.
A ideia já tinha sido defendida por diversas organizações de defesa dos direitos humanos, como a Anistia Internacional e a Human Rights Watch, que recentemente fizeram uma proposta para que a Federação Internacional de Futebol destine uma verba de 440 milhões de dólares, o equivalente a 2,3 bilhões de reais, para operários e familiares.
Estatísticas oficiais do governo mostram que 15.021 trabalhadores de fora do Catar morreram no país entre 2010 e 2019. Os dados, no entanto, não indicam apenas trabalhadores migrantes que morreram por condições de trabalho, à medida que inclui pessoas de todas as idades, ocupações e causas. Os dados oficiais também não indicam quantos morreram em construções ligadas à Copa do Mundo.
Em fevereiro, o jornal britânico The Guardian revelou que mais de 6.500 migrantes do sul da Ásia morreram no Catar na última década. Ao todo, a força de trabalho do país composta por migrantes chega a 2 milhões de pessoas.
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Alex Araujo, CEO da 4Life Prime, uma das maiores empresas de saúde ocupacional do país, ressalta que a apuração do número exato de trabalhadores acidentados é incerta. “Há uma escassez de informações, se tratando da contratação e da segurança de trabalhadores imigrantes. Atualmente, cada país possui diferentes leis acerca da segurança do trabalho, o que prejudica uma ação uniforme”.
O especialista ainda explica que os acidentes na área da construção civil podem ocorrer devido a três fatores: corte nos gastos, falta de equipamentos de proteção, como cinto, protetor ocular e capacete, e a falta de treinamento.
“Devido a essa economia, um profissional é utilizado para trabalhar em mais de uma função, o que aumenta as chances de acidente de trabalho. Se um pedreiro faz o papel de um eletricista e não sabe as ligações corretas, as chances de curto circuito aumentam exponencialmente”, explica.
Camisa preta
No final de setembro, a fornecedora de material esportivo da seleção da Dinamarca, Hummel, anunciou uma camisa de jogo preta, a cor do luto, para reconhecer de forma “velada” os trabalhadores migrantes que morreram no país durante a construção dos estádios.
“A cor do luto. A cor perfeita para a terceira camisa da Dinamarca para a Copa do Mundo deste ano”, afirmou o fabricante de uniformes Hummel em post no Instagram.
Embora as regras da Fifa proíbam declarações políticas em uniformes, os três designs de camisa da Dinamarca em vermelho, branco e preto não apresentam palavras ou símbolos com declarações explícitas. O escudo da seleção nacional também não mudou, o logotipo da Hummel e as divisas brancas decorativas – característica famosa da camisa da Dinamarca desde a década de 80 – são da mesma cor da camisa, mas permanecem visíveis.
Além do protesto contra as violações, a Federação Dinamarquesa também aderiu a uma campanha europeia lançada na semana passada que promove a igualdade e a diversidade sexual, chamada “One Love”. Capitães dos times que apoiam o movimento como a Alemanha, França e Reino Unido usarão braçadeiras multicoloridas em formato de coração no país onde a homossexualidade é punível com tortura e morte.