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Como Kamala Harris se tornou uma máquina de arrecadação na chapa com Biden

Além de celebridades e nomes de peso em Hollywood, senadora agrada parcelas eleitoralmente importantes

Por Caio Saad Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 5 out 2020, 09h09 - Publicado em 5 out 2020, 08h01

Com a senadora Kamala Harris em sua chapa, o candidato democrata à Presidência dos Estados Unidos, Joe Biden, emplaca uma vice como nunca se viu: mulher, negra e de descendência asiática (pai jamaicano, mãe indiana). A ex-procuradora da Califórnia também traz duas coisas importantes para a campanha: uma poderosa máquina de arrecadação e a atração de votos de parcelas que normalmente não se identificariam com o frequentemente monótono ex-vice-presidente.

Com 55 anos, em comparação com os 77 de Biden, Kamala atrai ao Partido Democrata uma base leal de uma pequena, porém poderosa, área de seu estado: as estrelas de Hollywood. O primeiro evento solo de arrecadação da vice foi co-organizado por nomes como as atrizes Reese Whiterspoon e Mindy Kaling, além da notória produtora Shonda Rhimes, mente por trás das séries de TV “Grey’s Anatomy” e “Scandal”. Os ingressos para participar, convertidos em doações, variavam de 500 dólares a 100.000 dólares, de acordo com o The Wall Street Journal. Um evento posterior teve ainda participação do multitalentoso Billy Porter, um dos principais nomes da Broadway, que cantou “Home”, do musical “The Wiz”. No total, já foram mais de 20 eventos virtuais.

Em vídeo, Kamala e Biden recebem apoio ainda do fenômeno Dwayne “The Rock” Johnson, um dos atores mais proeminentes (e bem pagos) da indústria. 

Alguns nomes, como Sarah Paulson, vencedora do Globo de Ouro, e Jon Cryer, doaram à campanha de Biden pela primeira vez depois que ela foi anunciada como companheira de Biden na chapa. E não foram só as celebridades: nas 48 horas seguintes ao anúncio, em 11 de agosto, ao menos 240.000 pessoas doaram à campanha pela primeira vez, segundo o Journal. O número pode ser ainda maior, considerando que as contribuições de menos 200 dólares feitas diretamente à campanha não precisam ser divulgadas, de acordo com a lei federal americana.

Além disso, Kamala pode ser uma voz em pautas progressistas que podem ser turbulentas para Biden, como a maconha, e em questões sociais em que teria um “lugar de fala”, como os protestos contra o racismo, que se espalharam por todo o país após a morte de George Floyd. Em uma entrevista recente à CNN, a democrata citou disparidades raciais na aplicação de leis envolvendo a maconha, citando como há “dois sistemas de Justiça separados no país”, um para pessoas de cor e outro para pessoas brancas. Apesar de ter sido contra a legalização da maconha na Califórnia enquanto era procuradora do estado, ela destacou que “se quisermos resolver estas disparidades, não nos ajuda fingir que não existem”.

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“Olhe, por exemplo, as ofensas por maconha. O uso entre a população branca e a população negra é igual, mas pessoas negras têm chance exponencialmente maior de ser presas e acusadas por estas ofensas”, disse na entrevista. A democrata já indicou que não irá tentar forçar Biden a apoiar a legalização, mas também reiterou que a descriminalização da maconha será parte do foco do governo, se eleito. Uma assessora sênior da campanha de Biden, Symone Sanders, já deixou claro que, caso eleito, o governo irá tentar descriminalizar o uso da erva e automaticamente apagar condenações anteriores por uso.

Harris-Campanha
Kamala Harris participa de evento virtual com ex-secretária de Estado Hillary Clinton e atrizes Amy Poehler e Maya Rudolph (Reprodução/Youtube)

Do lado republicano, a campanha do presidente americano, Donald Trump, candidato à reeleição em 3 de novembro, tem consistentemente atacado Biden por leis antidrogas no Senado. Enquanto o republicano seria um candidato a favor de uma reforma da Justiça criminal, Biden é colocado como o “arquiteto” da guerra às drogas. No entanto, em seu mandato, o presidente adotou diversas ações em direção a uma repressão no comércio em estados onde o consumo é legalizado. 

O direito ao aborto, outra pauta social importante, também já tem sido vocalizada pela candidata a vice. Com a indicação de Trump da conservadora Amy Coney Barrett à Suprema Corte na semana passada, que ainda precisa ser confirmada pelo Senado, Kamala afirmou que a escolha coloca em perigo os direitos ao aborto e à saúde. 

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“Esta obsessão implacável em revogar a Lei de Saúde Acessível é impulsionada inteiramente por uma ira cega em direção ao presidente Obama“, disse. “E isso está acontecendo em um momento em que nosso país está sofrendo por uma pandemia que já tirou mais de 200.000 vidas em nosso país”.

Efeito Kamala

O efeito Kamala gerou um mês recorde para campanha de Biden: 364,5 milhões de dólares. Além de mobilizar o estado com mais relevância para o Colégio Eleitoral americano, Kamala Harris responde às exigências por diversidade que muitos cidadãos vêm clamando nos últimos meses em protestos contra a desigualdade racial. Em um momento em que se fala de representatividade no meio cultural, especialmente na TV e no cinema, a presença da senadora um sopro de ânimo entre atores e atrizes, que se identificam com ela, que pode ser a primeira mulher eleita vice do país, com capacidade de liderar uma nova leva mais inclusiva e diversa de políticos.

“Para um democrata vencer a eleição à Presidência, é muito importante que eleitores afro-americanos compareçam em peso. Kamala Harris pode ajudar a garantir isso. Além de ser afro-americana, ela também asiática-americana e, claro, uma mulher. Ela deve ajudar a assegurar estas importantes parcelas”, analisa Mark Katz, da Escola Schar e Política e Governos, da George Mason University, na Virgínia. “Além disso, há o ato de que ela serviu como procuradora, procuradora-geral da Califórnia e senadora, o que impulsiona sua credibilidade de ser capaz de ser uma presidente de sucesso caso aconteça algo com Biden”.

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Financeiramente, Trump está na situação inversa. No início de setembro, chegou a admitir que não descarta a possibilidade de bancar por conta própria sua campanha, que, segundo reportagem do New York Times, passa por uma situação financeira crítica. De acordo com jornal, de 1,1 bilhão de dólares (6 bilhões de reais) que a campanha de Trump e o Partido Republicano arrecadaram desde o fim de 2019 até julho desde ano, mais de 800 milhões (4,2 bilhões de reais) já foram gastos.

O republicano chegou a criticar a proximidade entre Kamala e a “elite hollywoodiana” em um e-mail a seus apoiadores, após ela aparecer em um evento virtual com a ex-candidata democrata Hillary Clinton, que perdeu justamente para ele em 2016, e as atrizes e comediantes Amy Poehler e Maya Rudolph. Juntas, as mulheres arrecadaram mais de 6 milhões de dólares. 

Um grupo de apoiadores de Trump, disseminador de teorias da conspiração e conhecido nas redes sociais como “QAnon”, espalha boatos de que a “elite cultural” do país é ligada à pedofilia e satanismo, envolvendo muitos dos nomes ligados às doações da campanha da chapa democrata.

Segundo o Center for Responsive Politics, que compilou dados da Comissão Eleitoral Federal, pessoas envolvidas na indústria da TV, Cinema e Música colocaram quase 13 milhões de dólares em campanhas de democratas à Câmara e ao Senado até agora, no ciclo 2019-2020 o que deve superar os 13,45 milhões injetados em corridas em 2017-2018, e os 7,7 milhões em 2015-2016.

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Os esforços, sobretudo os liderados pela californiana, parecem ter compensado: em agosto, Biden recebeu 364 milhões de dólares, 150 milhões a mais do que Trump. É um indicador significativo, já que 90% das eleições passadas foram vencidas pelo candidato com mais recursos. Uma exceção foi a derrota de Gerald Ford para Jimmy Carter, em 1976 — o republicano tinha os cofres cheios, mas quem venceu foi o democrata.

Mesmo com mais dinheiro e vantagem em pesquisas, a eleição ainda está longe de ganha, no entanto. O estatístico Nate Silver, do site FiveThirtyEight, aponta que a vantagem de Biden sobre Trump está apertada em Ohio, Michigan, Flórida e Pensilvânia, estados decisivos na hora de contabilizar os votos do Colégio Eleitoral — e lembra que, em 2016, o republicano bateu Hillary Clinton nos quatro. O FiveThirty­Eight calcula que Trump tem 10% de chance de perder no voto popular e ainda assim sair vencedor, como aconteceu na eleição anterior. Tampouco sai da memória dos especialistas o fato de que a dianteira que Biden exibe hoje é semelhante à de Hillary na mesma época há quatro anos e de que a diferença a partir daí foi se estreitando até chegar a dois pontos nas pesquisas de boca de urna — e dar no que deu.

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