Começa julgamento de Sarkozy por financiamento ilegal da campanha de 2007
Ex-presidente francês é acusado de receber milhões de euros do regime de Muamar Kadafi, o falecido ditador líbio

O ex-presidente da francês Nicolas Sarkozy vai a julgamento nesta segunda-feira, 6, pelo maior escândalo de financiamento político da história do país, no qual ele é acusado de ter recebido ilegalmente milhões de euros do regime do falecido ditador líbio Muamar Kadafi na campanha eleitoral de 2007.
O julgamento histórico envolve o ex-líder de direita e outras 12 pessoas — incluindo três ex-ministros do governo —, todos acusados de conspiração criminosa para receber fundos de um ditador estrangeiro. O caso ameaça deteriorar a já baixa confiança dos eleitores da França no establishment político, em meio a uma crise no atual governo de Emmanuel Macron.
“Pacto de corrupção”
Após dez anos de investigações por autoridades anticorrupção, o tribunal ouvirá alegações do que procuradores chamam de um “pacto de corrupção” entre Sarkozy e o regime líbio, no qual intermediários entregaram malas cheias de dinheiro em prédios do governo em Paris para financiar ilegalmente a campanha presidencial de Sarkozy em 2007, que ele venceu.
O tribunal examinará se o regime líbio recebeu algo em troca do financiamento, como favores diplomáticos, legais e comerciais. Um dos exemplos está relacionado a Abdullah al-Senussi, chefe de espionagem e executor de Kadafi que foi condenado à prisão perpétua por um tribunal em Paris em 1999 por estar por trás do atentado a bomba contra um avião comercial da UTA (posteriormente incorporada pela Air France) dois anos antes, que matou 170 pessoas. O regime líbio teria apelado à comitiva do então candidato francês para encontrar uma maneira de revogar o mandado de prisão internacional contra Senussi.
Presidente entre 2007 e 2012, Sarkozy negou todas as irregularidades no caso.
Relacionamento complexo
O julgamento de três meses se debruçará sobre o complexo relacionamento de Sarkozy com Kadafi, o líder autocrático da Líbia cujo governo brutal de 41 anos foi marcado por abusos de direitos humanos. Ele se tornou um pária ao ser isolado internacionalmente devido à conexão de seu regime com atos de terrorismo, incluindo o fatídico atentado ao voo 103 da Pan Am sobre Lockerbie, na Escócia, em dezembro de 1988.
Membros da comitiva de Sarkozy supostamente se encontraram com representantes do regime de Kadafi na Líbia em 2005, quando o francês era ministro do Interior. Logo após se tornar presidente, dois anos depois, ele convidou o líder líbio para uma longa visita de Estado a Paris, montando sua tenda beduína em jardins perto do Eliseu. Sarkozy foi o primeiro líder ocidental a receber o ditador em uma viagem oficial desde o congelamento das relações na década de 1980, devido isolamento internacional.
Em 2011, porém, Sarkozy colocou a França na vanguarda dos ataques aéreos liderados pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) contra as tropas de Kadafi, que ajudaram a derrubar o regime. O autocrata foi capturado por rebeldes em outubro daquele ano e morto.
Os investigados e as consequências
Se condenado, o ex-presidente francês pode pegar até 10 anos de prisão ao lado de Claude Guéant, ex-secretário-geral do Eliseu e ministro do Interior, e Brice Hortefeux, um aliado próximo de Sarkozy que também chefiou a pasta do Interior. Todos negam os crimes.
Também está sendo julgado o ex-ministro do orçamento de Sarkozy, Éric Woerth, que agora é um parlamentar do partido centrista de Macron, o Juntos. Ele também nega irregularidades.
Em março de 2011, o filho do falecido ditador líbio, Saif al-Islam Kadafi, disse à emissora Euronews: “Sarkozy tem que devolver o dinheiro que aceitou da Líbia para financiar sua campanha eleitoral. Financiamos sua campanha e temos a prova… A primeira coisa que estamos exigindo é que esse palhaço devolva o dinheiro ao povo líbio.”
Reveses judiciais
Sarkozy já tem duas condenações judiciais. No mês passado, o Supremo da França confirmou um veredito contra ele por corrupção e tráfico de influência em tentativas ilegais de garantir favores de um juiz. Ele foi condenado a usar tornozeleira eletrônica por um ano, algo inédito para um ex-chefe de Estado. Sua equipe de defesa apelou da decisão junto ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos.
Em um julgamento separado, Sarkozy foi condenado por esconder gastos excessivos ilegais na eleição presidencial de 2012, que ele perdeu para o candidato socialista, François Hollande. Ele também contestou a decisão.
Fabrice Arfi, um jornalista investigativo do site Mediapart, que divulgou a história em 2011, disse que a magnitude das acusações de corrupção no caso da Líbia seria um “choque elétrico” para a sociedade francesa. “Toda a imagem da França está em jogo”, disse ele.