Chile toma lugar deixado pelo Brasil de Bolsonaro e vai sediar COP-25
Sem acordo, negociações da COP-24 na Polônia são estendidas; EUA rejeitam evidências científicas, e vulneráveis bloqueiam consenso
A recusa do presidente eleito, Jair Bolsonaro, em sediar a 25ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP-25), em 2019, foi coberta nesta sexta-feira pela aceitação do governo do chileno Sebastián Piñera, também de direita, em abraçar o evento.
“Estamos felizes em dizer que, para a COP-25, trabalharemos com a Costa Rica”, disse a ministra do Meio Ambiente do Chile, Carolina Schmidt, ao mencionar o outro país latino-americano que candidatou-se à vaga deixada pelo Brasil, por determinação de Bolsonaro.
A organização da conferência traz, inevitavelmente, imagem internacional positiva ao país que aceita a tarefa. O Brasil tem sido um dos principais negociadores do tema, foi destacado como redator do texto do Acordo de Paris, de 2015, e tem adotado políticas públicas consideradas em linha com as metas fixadas. Sediou as conferências da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Eco 92), em 1992, e sobre Desenvolvimento sustentável (Rio+20), em 2012.
Mas as indicações do governo de transição são de que esses esforços não terão continuidade. Ao tomar para si a tarefa de sediar a COP-25, o Chile vai se aproveitar de uma oportunidade entregue voluntariamente pelo futuro presidente do Brasil.
O anúncio de que o Chile será a sede da COP-25 deu-se na cidade polonesa de Katowice, onde as negociações da 24ª conferência se mostram travadas pelo recuo dos Estados Unidos, da Arábia Saudita e de outros grandes emissores de gases do efeito estufa em aceitar evidências científicas sobre o aumento da temperatura do planeta e pelos países mais vulneráveis, que desesperadamente precisam de um bom acordo fechado para sobreviverem.
O rascunho do acordo da COP-24 estava pronto para ser assinado nesta sexta-feira. As conversas devem prosseguir pelo final de semana graças a apelos justamente desses países que correm o risco de desaparecer por causa do aumento do nível de água nos oceanos, segundo o jornal The Independent.
As negociações em Katowice se desenrolam há duas semanas entre sérios atritos e divergências. Não se trata de um cenário diferente das COP anteriores. A questão-chave para um acordo está na definição de compromissos adicionais para reduzir a emissão de gases do efeito estufa nas próximas décadas, de forma a impedir que a temperatura do planeta se eleve em mais de 2 graus Celsius até o final do século, em relação ao nível da era pré-industrial.
Para os peso-pesados dessa negociação, como os Estados Unidos e a China, essa restrição de emissões significa investimento na mudança do modelo econômico baseado em combustíveis fósseis para os renováveis, na adaptação aos efeitos do aumento de temperatura, nos meios para impedir o desmatamento florestal e até na mentalidade de populações inteiras. Em outras palavras, implica em redução de perspectivas de crescimento econômico em curto e médio prazos.
Nos últimos meses, pesquisas científicas alertaram para o fato de ser necessária a adoção de uma meta ainda mais ambiciosa – a de impedir o aumento de mais de 1,5 grau Celsius na temperatura do planeta. Caso contrário, espécies da fauna e da flora desaparecerão, as águas encobrirão países inteiros e, como já se verifica atualmente, temperaturas extremas, chuvas, tempestades, furacões, inundações e outros fenômenos deverão se tornar cada vez fortes e frequentes.
Rebelião contra a extinção
O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, alertou nesta sexta-feira que seria um “suicídio” não alcançar um acordo satisfatório na COP-24. Segundo o Independent, essa mesma advertência foi feita pelos países que podem desaparecer, como as ilhas Tuvalu e outras do Oceano Pacífico. Esse grupo conclamou uma “rebelião contra a extinção” – um bloqueio do acordo até que suas demandas sejam aceitas.
Segundo o primeiro-ministro de Tuvalu, Enele Sopoaga, os Estados Unidos estão atrapalhando o processo de negociação. “O que nós temos sobre a mesa é muito desapontador, frustrante. Estamos indo para trás no Acordo de Paris, que assinamos há três anos. Há muita falta de confiança e de credibilidade nos princípios com os quais trabalhamos”, afirmou.
“A Casa Branca, sozinha, está arrastando tudo para debaixo de seus pés”, completou Sopoaga.