Charge do profeta Maomé acende protestos na Turquia; quatro cartunistas são presos
Investigação por 'insulto público a valores religiosos' foi aberta contra revista de sátira política, que se defende: 'Essa interpretação exige extrema malícia'

A polícia da Turquia prendeu pelo menos quatro cartunistas na segunda-feira 30, acusados de desenhar e distribuir uma charge que, segundo autoridades, representa o profeta Maomé e Moisés. A imagem, publicada na semana passada em uma revista de sátira política, mostra o que parece ser um muçulmano e um judeu, ambos com asas e auréolas, apertando as mãos e se cumprimentando enquanto bombas caem abaixo.
A charge viralizou nas redes sociais quatro dias após sua publicação na LeMan. Centenas de pessoas saíram em protesto à principal rua turística de Istambul, gritando “Alá é Grande” e pedindo a Sharia (a lei islâmica). Manifestantes foram vistos chutando as portas da redação da revista no centro da capital. Em um dos vídeos, um deles grita: “Pelo nosso Profeta, daríamos nossas vidas e tiraríamos vidas; ninguém pode insultar nosso Profeta”.
Enquanto a multidão tomava as ruas, o Ministério do Interior divulgou vídeos de cartunistas sendo detidos em suas casas, descalços e algemados pela polícia, com legendas como “Vocês não escaparão de nossas forças de segurança ou da justiça”. Durante uma oração na noite de segunda, o governador de Istambul, Davut Gul, anunciou que todas as quatro pessoas procuradas pela charge estavam sob custódia policial.
Some people in Turkey were offended by a cartoon of the Prophet Muhammad that was published in #Lemanmagazine. In response, they protested outside the offices of the magazine. The cartoon depicts Muhammad and Moses greeting each other as bombs fall. pic.twitter.com/9BgkUBdA78
— Gül Poyraz (@GuPoyraz) June 30, 2025
Liberdade de expressão?
As autoridades turcas condenaram veementemente a revista.
O ministro do Interior, Ali Yerlikaya, chamou a charge de provocação e disse que aqueles “que ousarem fazer isso serão responsabilizados perante a lei”. Segundo ele, a imagem não é protegida pela liberdade de expressão.
Fahrettin Altun, chefe de comunicações da Presidência turca, por sua vez, chamou o incidente de “um ataque vil às nossas crenças e valores”.
O Ministério da Justiça do país abriu uma investigação sobre o incidente pelo crime de “insulto público a valores religiosos”, nos termos do Artigo 216 do Código Penal Turco.
Resposta
A LeMan, semanário de sátira política conhecido por quadrinhos irreverentes semelhantes aos da publicação francesa Charlie Hebdo – alvo de atentado em 2015 devido a uma charge que causou polêmica semelhante –, divulgou um comunicado afirmando que o desenho envolvido em controvérsia não retratava o profeta islâmico.
“Esta charge não é uma caricatura do profeta Maomé (que a paz esteja com ele). Na obra, o nome Maomé é ficcionalizado como se pertencesse a um muçulmano morto nos bombardeios de Israel. Existem mais de 200 milhões de pessoas chamadas Maomé no mundo islâmico. A obra não se refere ao profeta Maomé de forma alguma”, afirmou a revista.
“Ao destacar um muçulmano assassinado, o objetivo era destacar a retidão do povo muçulmano oprimido, sem qualquer intenção de menosprezar os valores religiosos. Rejeitamos o estigma imposto a nós, visto que não há representação do nosso Profeta”, continuou o comunicado. “Interpretar a charge dessa forma exige extrema malícia”, disparou, embora também tenha pedido desculpas a todos os leitores que se sentiram ofendidos.
Alguns grupos convocaram novos protestos contra a revista para esta terça-feira, 1º de julho.