Campeã em qualidade: o segredo da cidade mais habitável do mundo
Viena, a capital da Áustria, se firma no topo da lista graças a uma política consistente de serviços de primeira e moradia para todos
A migração das populações do campo para as cidades impulsionou o progresso da humanidade e foi fator essencial para avanços científicos e conquistas de direitos. Mas também criou problemas conhecidos e lamentados, como ruas congestionadas, poluição, falta de moradias e serviços públicos de má qualidade. Foi justamente na busca da cidade ideal que, nos anos 1960, Walt Disney idealizou seu Protótipo Experimental de Comunidade do Amanhã (EPCOT, na sigla em inglês), uma “cidade do futuro” para 20 000 habitantes, autossustentável e em constante modernização — sonho que não vingou e acabou virando uma das divisões da Disney World, o parque de diversões na Flórida. Mesmo imperfeitas, algumas metrópoles, no entanto, se destacam pela qualidade de vida que proporcionam a seus moradores, e, entre elas, a medalha de ouro vai para Viena: pelo terceiro ano consecutivo, a capital da Áustria é a cidade mais habitável do planeta no ranking da Economist Intelligence Unit (EIU), o setor de pesquisas do grupo que publica a respeitada The Economist.
O estudo aplicou trinta critérios a 173 cidades, abrangendo cinco áreas: estabilidade (aí incluído o quesito segurança), saúde, cultura e meio ambiente, educação e infraestrutura. Viena cravou 100, a nota máxima, em todas elas, menos uma: tirou 93,5 em cultura “devido à falta de grandes eventos esportivos”, apontou a EIU. “A capital austríaca se destaca pelos serviços públicos de alta qualidade em todos os setores. Nem tudo pode ser aplicado em cidades maiores, mas dá para fazer adaptações. É uma questão de planejamento e execução eficaz”, afirma o analista-sênior Akshay Rathi, que fez parte do estudo. Atrás dela surgem no alto da lista a capital da Dinamarca, Copenhague, a suíça Zurique, Melbourne, na Austrália, e Calgary, no Canadá — quase todas com áreas urbanas ocupadas por 1 a 2 milhões de pessoas (Melbourne destoa, com 5 milhões).
Em seu auge, Viena foi a capital do Império Austro-Húngaro e palco principal de Sissi, a imperatriz de Francisco José, uma mulher à frente de seu tempo, retratada em filmes e séries de TV. O poderoso reinado dos Habsburgos desmoronou ao fim da Primeira Guerra Mundial e, com ele, a imponência da capital, tomada por fome generalizada, desemprego e cortiços amontoados. A recuperação foi lenta, mas consistente e organizada. Há cinco anos, a prefeitura, ao lado da iniciativa privada, pôs em prática um ambicioso projeto que segue os passos definidos nos dezessete Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da ONU, e vai além, com metas para digitalização e inclusão social a serem completadas até 2050. “Temos ali um modelo de planejamento urbano focado em acessibilidade, transporte público eficiente e mobilidade”, explica a arquiteta e urbanista espanhola Victoria Fernández Áñez, especialista em cidades inteligentes. Entre os que usufruem das melhorias está a terapeuta brasiliense Letícia Diethelm, que vive lá há doze anos. “Nem se compara com Brasília, uma cidade planejada. Não tenho carro, faço tudo de metrô, trem de superfície e ônibus. A vida é mais tranquila”, afirma.
Outro ponto forte da capital austríaca é sua política de habitação social, fruto da iniciativa da prefeitura de comprar propriedades e transformá-las em prédios de apartamentos para fazer frente à crise imobiliária no início dos anos 1920. Resultado: em meados daquela década, o governo era o maior proprietário de imóveis da cidade e até hoje tira partido dessa condição para oferecer moradia a todos os habitantes. “O financiamento se divide entre público e privado, mas a gestão está nas mãos do governo e de cooperativas sem fins lucrativos”, diz o geógrafo Robert Musil.
Metade da população, aí incluídos os imigrantes (34% dos quase 2 milhões de moradores), mora em imóveis subsidiados, e o governo investe 500 milhões de euros anualmente em habitação. Na capital das valsas e da música clássica, a vida cultural efervescente é mais um atrativo. “No Brasil, eu ficava em casa nos fins de semana. Aqui, sempre tem algo que te tira do apartamento”, elogia a estudante de arquitetura Camila Carivali, 21 anos, em Viena há cinco meses. Na cidade mais habitável do mundo, a prioridade é o bem-estar dos moradores. E isso faz toda a diferença.
Publicado em VEJA de 2 de agosto de 2024, edição nº 2904