Black Friday: Revista em casa a partir de 8,90/semana
Continua após publicidade

Boris Johnson: ‘Make or break’

Adepto do Brexit a qualquer custo, o novo primeiro-ministro joga duro, divide ainda mais o Parlamento e sofre três derrotas seguidas. Mas continua na luta

Por Caio Mattos e Kátia Mello
Atualizado em 4 jun 2024, 15h52 - Publicado em 6 set 2019, 06h30

Uma coisa não se pode negar: Boris Johnson, o novo primeiro-ministro do Reino Unido, é atrevido. Se tem a malícia da esperteza ou a ousadia da ignorância, isso ninguém sabe ainda. Nos três primeiros dias da volta do Parlamento de seu recesso de verão, que ocorreu na terça-­feira 3, a conclusão pendia mais para a segunda hipótese. De uma hora para outra, Boris, como todo mundo chama o desgrenhado e amarrotado líder conservador, perdeu três votações na Câmara dos Comuns, e perdeu feio. Na primeira, os parlamentares se deram a iniciativa de propor projetos de lei (normalmente, discutem e votam o que o governo apresenta). Na segunda, em duas etapas, aprovaram por diferença de quase trinta votos (uma larga margem por ali) a proibição de que o país saia da União Europeia sem acordo prévio e a exigência de que, caso o acordo não seja alcançado até o prazo final de 31 de outubro, o primeiro-­ministro peça à UE uma extensão (a terceira) até 31 de janeiro de 2020.

Boris reagiu propondo a antecipação das eleições de 2022 para 15 de outubro. De novo, foi nocauteado. Para coroar a temporada de desgostos, seu próprio irmão, Jo Johnson (na capa dos tabloides, são BoJo e JoJo), secretário do governo, pediu demissão por discordar das táticas que ele vem adotando. O sumo da semana, porém, não foi a pancadaria no premiê. Ele sai enfraquecido, sem dúvida. Mas o que se viu na guerra dos tronos de Westminster é que o nó do Brexit, que sufoca a ilha há três anos, continua longe de ser desatado. A impressão geral é que o primeiro-ministro calculou mal o impacto de uma manobra para cercear a ação da maioria parlamentar — aí incluídos vários membros de seu próprio partido —, que ou não quer o Brexit sem acordo ou não quer Brexit nenhum.

O normal seria os legisladores voltarem do recesso, trabalharem por uns dez dias, interromperem os debates por duas semanas para as convenções partidárias e retomarem suas cadeiras no máximo no início de outubro. Na surdina do recesso, Boris tomou a drástica decisão de suspender a atual sessão do Parlamento a partir do início da semana que vem. Por força das leis não escritas que regem o país, a nova sessão só começa depois de 14 de outubro, quando a rainha fará seu tradicional discurso em Westminster, toda paramentada, de cetro e coroa. Ou seja: o Parlamento volta a funcionar de verdade quando faltarem poucos dias para o fatídico 31 de outubro. Boris podia ter feito o que fez? Sim, mas é raro que uma troca de mandatários do mesmo partido redunde em nova sessão — geralmente, ela segue sem interrupções.

O resultado foi que os parlamentares voltaram à ativa batendo os tambores de guerra e impuseram as três derrotas ao governo. Não ajudou a acalmar os ânimos o fato de o primeiro-ministro ter simplesmente expulsado do Partido Conservador 21 membros que votaram contra ele, quase todos figurões. “Ou votam com o governo ou morrem”, avisara antes. Com esse gesto, aliado a defecções prévias, sua maioria parlamentar por apenas um voto, graças à coalizão com o diminuto Partido Unionista, da Irlanda do Norte, se transformou em minoria por 43 votos. Em teoria, uma moção de desconfiança derruba este governo e os trabalhistas assumem. Mas, diante dessa possibilidade, os outros partidos — e os conservadores rebeldes — tremem. A moção, portanto, repousa na gaveta das possibilidades remotas.

Aprovada a lei que proíbe o Brexit sem acordo e ordena sua nova extensão, ela seguiu para a Câmara dos Lordes, um órgão que não é eleito (o requisito é ter um título de nobre) e que, por tradição — e os britânicos, tirando Boris, adoram uma tradição —, não derruba projetos vindos dos Comuns. Aliados do primeiro-ministro lá apresentaram 86 emendas, apostando na prorrogação do debate pelo menos até o fim da semana. Os lordes levaram cobertor, comida e bebida, prevendo virar noites, mas Boris mudou de ideia, mandou que os aliados retirassem emendas e apressou a aprovação lá também. O passo seguinte é a lei voltar para a Câmara dos Comuns, para ajustes, e depois seguir para a chancela da rainha, outro gesto pró-­forma. Como a sessão parlamentar deve ser suspensa logo no começo da semana, há uma chance de que ela não chegue até Buckingham para Elizabeth dar o seu aval. Aí, Boris ganha tempo — qualquer legislação inconclusiva ao fim da atual sessão tem de começar do zero na próxima.

Continua após a publicidade

Mas também pode ser que o intempestivo primeiro-ministro dê meia-volta e resolva acabar com os esforços para melar a legislação que proíbe Brexit sem acordo no dia 31 e exige nova protelação. O governo vai reapresentar seu pedido de antecipação de eleições na segunda 9 e espera usar a lei como moeda de troca: o.k., ele desiste de sair a qualquer custo no fim de outubro (um gesto até há pouco inimaginável para Boris), concorda com mais um adiamento do prazo e, em compensação, o Parlamento aprova as eleições antecipadas. É uma manobra arriscada, do tipo tudo ou nada — é assim que Boris joga. O eleitorado trabalhista e conservador vem encolhendo consideravelmente, cansado da guerra do Brexit — um fator que ficou evidente na eleição para o Parlamento Europeu, em maio. Segundo pesquisa eleitoral da consultoria Deltapoll, publicada no domingo 1º, os conservadores contam com 11 pontos porcentuais de vantagem sobre o Partido Trabalhista. O líder trabalhista Jeremy Corbyn, o mais esquerdista da história do partido, “é popular entre os jovens, mas tem pouquíssimo apelo entre os mais velhos e moderados”, diz John-­Paul Salter, cientista político da University College, em Londres. Informação para Boris matutar em cima: os efervescentes debates parlamentares transmitidos pela televisão fizeram com que, em menos de uma semana, mais de 100 000 britânicos se registrassem para votar — na maioria, jovens que não se deram a esse trabalho quando o Brexit foi posto em votação e aprovado por 52%, em 2016.

Se ganhar essa eleição e, de quebra, amarrar alianças consideradas impossíveis no atual clima de polarização radical, o premiê ficará fortalecido para fazer o que bem entender. Ou não: a antecessora, Theresa May, tentou essa artimanha, viu a maioria do seu partido encolher e saiu em situação pior ainda. Se perder, ou vencer por margem mínima, tudo continuará como está — enrolado e sem solução.

Os problemas não acabam aí — há mais coisas entre o céu, a terra, o Reino Unido e a União Europeia do que sonha a filosofia política ortodoxa. A UE pode não aceitar a extensão, ou reduzi-­la a poucas semanas, enquanto se prepara para um inexorável Brexit sem acordo. A Comissão Europeia, órgão executivo do bloco, anunciou que pretende tirar 780 milhões de euros da verba que reserva para a ocorrência de desastres naturais e usar os recursos para amenizar o baque financeiro que um divórcio litigioso com o Reino Unido certamente vai provocar. Também a equipe de Boris trabalha para conter os danos do Brexit sem acordo. Os dois lados tiveram bastante tempo para se preparar: o prazo inicial do Brexit era 29 de março e, desde então, a ameaça de os conservadores “duros” chutarem a porta sempre esteve presente. Fora do Parlamento, as ruas pegam fogo, com seguidas manifestações no país todo contra e a favor de Boris e do Brexit. No fim de semana após o anúncio da suspensão da sessão parlamentar, ocorreram mais de 100 em Londres e outras grandes cidades. Enquanto isso, os ponteiros do Big Ben continuam avançando.

Publicado em VEJA de 11 de setembro de 2019, edição nº 2651

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Semana Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

Apenas 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (a partir de R$ 8,90 por revista)

a partir de 35,60/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.