Aumento das ameaças nucleares faz mercado de bunkers disparar nos EUA
Setor de construção de abrigos antibombas espera crescimento de 30% em cinco anos; críticos alertam que sensação de segurança é mera distração

Líderes de segurança global soaram um alerta sobre o aumento das ameaças nucleares neste 2024 que se vai, já que os investimentos em armas desse tipo aumentaram US$ 10,7 bilhões de dólares no ano passado, para US$ 91,4 bilhões (R$ 565,57 bilhões, na cotação atual). O aviso parece ter ressoado com a população mundo afora, e as vendas de bunkers privados também aumentaram, em especial nos Estados Unidos – de pequenas caixas de metal onde um único indivíduo entra para se proteger, todo encolhido, até extravagantes mansões subterrâneas.
O mercado americano de abrigos antibombas deve crescer quase 30%, de US$ 137 milhões no ano passado para US$ 175 milhões (mais de R$ 1 bilhão), até 2030, de acordo com um relatório de pesquisa de mercado da BlueWeave Consulting. O documento avaliou que os principais fatores de crescimento incluem “a crescente ameaça de ataques nucleares, terroristas ou agitação civil”.
“As pessoas estão inquietas e querem um lugar seguro onde colocar suas famílias. Elas têm essa atitude de que é melhor ter e não precisar, do que precisar e não ter”, disse o CEO da Atlas Survival Shelters, Ron Hubbard, à agência de notícias The Associated Press.
“Prepping” em alta
Segundo o dono da empresa que se diz número 1 no mundo no setor de construção de bunkers, sediada no Texas, os lockdowns durante a pandemia de covid-19, a invasão russa da Ucrânia e a eclosão da guerra Israel-Hamas impulsionaram as vendas. Os preços de seus produtos variam de US$ 20 mil a vários milhões, mas a média é de US$ 500 mil (mais de R$ 3 milhões). Geralmente, a Atlas Survival Shelters vende ao menos um por dia, de acordo com Hubbard.
O livro recém-publicado Be Prepared: Doomsday Prepping in the United States, que se debruça sobre os “preppers” – pessoas que incluem como parte da rotina diária métodos e atividades de proteção contra um potencial cenário apocalíptico –, diz que mais de 20 milhões de americanos se encaixam nesta categoria. Já a Agência Federal de Gestão de Emergências (Fema) determinou em uma pesquisa de 2023 que 51% dos habitantes dos Estados Unidos estão “preparados para um desastre”.
“O ‘prepping’ faz parte do ethos americano bem antes do neoliberalismo e até mesmo antes de nossas cadeias de suprimentos industriais contemporâneas”, escreveram Robert Kirsch e Emily Ray, autores do livro, na revista de psicologia Psyche. “Os americanos foram instados e treinados para serem ‘preparadores’ enquanto crianças, em várias organizações de escoteiros, quando colonos (no século XVIII), que receberam terras do governo federal no projeto de ‘domar’ o Oeste, e como cidadãos estáveis e patriotas preparados para sobreviver a ataques nucleares (na Guerra Fria).”
Controvérsias
Críticos alertam que bunkers criam uma falsa percepção de que seria possível sobreviver a uma guerra nuclear. Ativistas anti-proliferação argumentam que a prática de se planejar para sobreviver a uma explosão atômica desvia as atenções do perigos reais e atuais das ameaças nucleares – e da necessidade de impedir a proliferação de armas de destruição em massa.
Enquanto isso, especialistas em desastres do governo dos Estados Unidos dizem que bunkers não são necessários. Uma orientação de 100 páginas da Fema sobre como responder a uma explosão nuclear se concentra em orientar que a população encontre um local coberto, de preferência em um porão, e se mantenha longe das paredes externas por pelo menos um dia.
Ou seja, segundo a Fema, espaços que já existem podem fornecer a proteção necessária contra a precipitação radioativa, que é o principal risco à vida após a explosão em si.
Depois que uma bomba atômica é detonada, leva cerca de 15 minutos para partículas radioativas viajarem 1,5 km ou mais de distância do marco zero, disse a Associated Press Michael Dillon, um cientista do Laboratório Nacional Lawrence Livermore, onde o governo dos EUA projeta armas nucleares. Então, é preciso ficar dentro de um prédio ou construção robusto por cerca de 48h para evitar contaminação.