Atentados nos EUA aumentam a apreensão antes da posse de Trump
Os ataques em Nova Orleans e Las Vegas no primeiro dia de 2025 antecipam a mercurial troca de comando da Casa Branca

Era esperado que a transição da Presidência de Joe Biden para Donald Trump, em 20 de janeiro, acirrasse os ânimos dos americanos — e, como reação natural, de todo o mundo. Dois atentados na inauguração de 2025 puseram lenha na fogueira e parecem indicar uma temporada mercurial — ainda que os crimes não tenham sido provocados direta e objetivamente por um lado ou outro do país rachado ao meio, a temperatura subiu. Em um dos ataques, houve a explosão de uma picape elétrica da Tesla — a empresa de propriedade de Elon Musk — do lado de fora do Trump Hotel Las Vegas na quarta-feira 1º de janeiro. Uma pessoa morreu e pelo menos sete ficaram feridas. A polícia metropolitana aventava a possibilidade de um atentado — tese que Musk, a seu feitio, tratou de alimentar pela rede social X. “Nunca vimos nada parecido com isso”, postou o bilionário, indicado para um cargo na gestão de Trump, responsável pelo controle de “eficiência governamental”, sabe-se lá o que isso signifique, na prática (leia na pág. 60).
Do outro lado do país, em Nova Orleans, um motorista de caminhonete avançou contra uma multidão, em torno das 3h15 do primeiro dia do ano, na tradicional Bourbon Street, principal ponto turístico da cidade do jazz e do blues. Houve quinze mortos. Não demorou para que o FBI tratasse o múltiplo assassinato como ato de terrorismo. O agressor, morto pelos policiais, foi identificado como Shamsud-Din Jabbar, cidadão americano residente no Texas, com antecedentes criminais que incluem roubo e direção com a carteira suspensa. Biden, municiado por informações de seus assessores, atrelou a matança ao modus operandi do Estado Islâmico. De acordo com o presidente, vídeos de Jabbar coletados nas redes sociais, e agora apagados, expressavam “um desejo de matar”, repetindo o ideário do grupo terrorista responsável não apenas por planejar atentados como o de Paris em 2015, mas também por inspirar dezenas de “lobos solitários” em ações pontuais e igualmente mortais. “Os serviços de inteligência continuam procurando associações ou conspiradores secundários”, afirmou Biden. As primeiras informações divulgadas pelo FBI, contudo, indicavam ação individual, sem engrenagem aparente.

E o que fez Trump? Tratou de sugerir que o criminoso fosse um imigrante (não é, ele nasceu nos Estados Unidos, serviu nas Forças Armadas e chegou a ser enviado ao Afeganistão). “Quando eu disse que os criminosos que chegam são muito piores do que os criminosos que temos em nosso país, essa afirmação foi constantemente refutada pelos democratas e pelos meios de comunicação de notícias falsas, mas acabou por se mostrar verdadeira”, escreveu em seu site, o Truth Social. É postura que alimenta o ódio — e em nada ajuda a induzir o bom senso em momento crucial, o da passagem de bastão. As mortes neste início de ano servem de alerta. Investigava-se, na quinta-feira 2, uma possível ligação entre os dois episódios, de Las Vegas e Nova Orleans. “Ambos servem de munição política para Trump, que diz estar ali para proteger a nação dos seus inimigos externos e internos. Em outras palavras, acirram ainda mais o cenário”, diz Vinícius Vieira, professor de relações internacionais da FGV. Por óbvio, a mudança na Casa Branca não resolve os problemas, especialmente os de segurança. E convém salientar que a permanência de Biden ou a eleição de Kamala Harris tampouco representaria solução. Há, nos EUA, com ecos pelo planeta, um rastilho de inquietação.
Publicado em VEJA de 3 de janeiro de 2025, edição nº 2925