Último Mês: Veja por apenas 4,00/mês
Continua após publicidade

Argentina: o que esperar da dupla Fernández-Kirchner

Com a economia em ruínas, o peronista Alberto Fernández toma posse e faz aceno de paz ao Brasil. Resta a questão: qual é a de Cristina neste governo?

Por Denise Chrispim Marin Atualizado em 4 jun 2024, 14h52 - Publicado em 13 dez 2019, 06h00

“Perón, Perón, grande dirigente, és o primeiro trabalhador.” O hino que celebra o populista Juan Domingo Perón, ditador e presidente eleito que definiu o rumo da Argentina no século XX, reverberou pelo plenário do Congresso assim que Alberto Fernández e Cristina Kirchner tomaram posse, como presidente e vice, na terça-­feira 10. Era a volta do ideário justicialista à Casa Rosada, quatro anos depois de ter sido escorraçado por Mauricio Macri, milionário que prometeu uma virada liberal para salvar o país da bancarrota, não conseguiu e agora sai afugentado pelo fracasso. Como boa peronista, a dupla Fernández-­Kirchner promete um plano de combate à fome, medidas emergenciais para estimular emprego e renda, melhora do sistema de saúde e, acima de tudo, o enterro da política liberal do antecessor. “Vamos colocar a Argentina de pé novamente”, bradou Fernández. Vai precisar de bem mais que palavras para alcançar o milagre.

Em outro ponto do discurso, ele falou do Brasil — o único país citado pelo nome. Defendeu uma agenda bilateral ambiciosa e inovadora, “que vá além das diferenças pessoais entre os que governam neste momento”, um claro sinal de paz dirigido a Jair Bolsonaro, o vizinho malcriado que, de tão inconformado com a volta dos “bandidos da esquerda”, declarou que os argentinos “escolheram mal”, negou-se a cumprimentar Fernández pela vitória e ameaçou retirar o Brasil do Mercosul. O argentino não fez por menos: visitou Lula na prisão em Curitiba e, no primeiro discurso de vitória, em outubro, pediu sua libertação. “O comportamento dos dois foi vexaminoso. Mas a realidade vai ensinar aos presidentes vizinhos que não podem um chutar a canela do outro”, avalia o ex-embaixador em Buenos Aires José Botafogo Gonçalves. Na posse, Fernández, pelo menos, mudou o tom. Bolsonaro não fez mea-culpa, mas na última hora voltou atrás na ameaça de não mandar ninguém — o que jamais aconteceu nas relações entre as duas nações — e despachou para Buenos Aires o vice Hamilton Mourão, reinstalado em seu papel de jogar água fria em fervuras, esta no campo diplomático.

argentina-2
INCÓGNITA – Cristina esnoba Macri: a vice começa a pôr as unhas de fora (Agustin Marcarian/Reuters)

Do jeito que a Argentina está (veja o quadro com números), Fernández e Cristina sabem que precisam engolir sapos. A economia do país caminha para o terceiro ano de recessão, 15 milhões de cidadãos não têm o que comer e 10% dos trabalhadores estão desempregados. Como se não bastasse, a desvalorização do peso bateu em 600% nos últimos quatro anos e a taxa de inflação supera os 57%. O maior desafio do governo será evitar a vergonha da terceira moratória deste século que mal começou — houve uma em 2001 e outra em 2014, esta cavada por Cristina. Não há dinheiro em caixa para pagar a dívida pública de 337,3 bilhões de dólares, dos quais 57,9 bilhões são devidos ao Fundo Monetário Internacional (FMI), com quem os peronistas já iniciaram conversas informais. A maior urgência pesa sobre 5,4 bilhões de dólares que vencem neste mês. “É simples assim: para podermos pagar, temos de crescer”, ditou Fernández, fazendo a banca tremer. A reestruturação da dívida e o estímulo ao crescimento ficarão a cargo do ministro da Economia, o heterodoxo Martín Guzmán, discípulo do Nobel de Economia de 2001, Joseph Stiglitz. Ele morava nos Estados Unidos e não tem nenhuma experiência política. “Não se fala e não se quer a moratória. O esforço é para evitá-la. Mas há dúvidas sobre como conseguir isso”, diz o consultor econômico Orlando Ferreres.

Continua após a publicidade
argentina-3
LULA NA FESTA – Peronistas celebram em Buenos Aires: a esquerda volta à Casa Rosada (Ueslei Marcelino/Reuters)

Na posse, a ex-presidente emergiu vestida de poncho branco sobre macacão branco e ares de Joana D’Arc em batalha. Na hora de cumprimentar Macri, estendeu a mão, mas virou solenemente o rosto, como quem diz: “Bem feito”. A grande dúvida, dentro e fora do país, é: ela vai acatar as decisões de Fernández ou ele é quem terá de acatar as dela? A temperamental Cristina, ré em seis processos por corrupção (agora em suspenso por sua imunidade parlamentar), vai acumular a presidência do Senado, uma atribuição do vice, e mostrou serviço ao negociar com as diferentes facções peronistas uma coalizão para sustentar o governo. Seu herdeiro, o deputado Máximo Kirchner, foi encarregado de conduzir o aliado Sergio Massa à presidência da Câmara. “O trabalho principal de Fernández será manter o equilíbrio com Cristina Kirchner, responsável pela maioria dos seus votos. Ela controla o Congresso e tem forte apoio na Província de Buenos Aires”, resume Rosendo Fraga, do Centro de Estudos Nova Maioria.

O balcão do qual o general Mourão assistiu à festa tinha apenas quatro presidentes presentes: o de Cuba, Miguel Díaz-Canel, o do Paraguai, Mario Abdo Benítez, o do Chile, Sebastián Piñera, e o do Uruguai, Tabaré Vázquez, que viajou acompanhado do sucessor eleito, Lacalle Pou. Depois da cerimônia, Mourão teve chance de posar com Fernández e com o novo chanceler, Felipe Solá, em demonstração de ânimos apaziguados — ao menos por enquanto.

Continua após a publicidade
arte-argentina-2
(./.)

Pelo cordão umbilical do Mercosul e por força de tratados bilaterais, sobretudo no setor automotivo, Brasil e Argentina têm as economias entrelaçadas. O mercado argentino é o maior comprador de manufaturas brasileiras, mas as exportações caíram 36,6% entre janeiro e novembro, em comparação com o mesmo período de 2018. Com a indústria dos dois lados em marcha lenta, é melhor trocar a ideologia pelo pragmatismo do business is business.

Publicado em VEJA de 18 de dezembro de 2019, edição nº 2665

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Veja e Vote.

A síntese sempre atualizada de tudo que acontece nas Eleições 2024.

OFERTA
VEJA E VOTE

Digital Veja e Vote
Digital Veja e Vote

Acesso ilimitado aos sites, apps, edições digitais e acervos de todas as marcas Abril

1 Mês por 4,00

Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (equivalente a 12,50 por revista)

a partir de 49,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a 9,90/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.