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A princesa sumida

Em vídeos divulgados no Reino Unido, a filha do xeque de Dubai diz que ele a mantém prisioneira — uma das atrocidades de seu extenso currículo

Por Caio Saad Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 13h26 - Publicado em 26 fev 2021, 06h00
SEM VER O SOL - A xeica Latifa: “Temo todos os dias por minha segurança” -
SEM VER O SOL - A xeica Latifa: “Temo todos os dias por minha segurança” – (Free Latifa Campaign/EFE)

De barba e cabelos perenemente negros, olhar intimidador e poucos sorrisos, o emir de Dubai, xeque Mohammed bin Rashid al Maktoum, 71 anos, não impressiona pela simpatia. E nem precisa: dono do poder abso­lu­to em seus domínios, função que acumula com a de primeiro-ministro e vice-presidente do conjunto de sete cidades-estado que formam os Emirados Árabes Unidos, Al Maktoum ostenta uma movimentada folha corrida de repressão, desaparecimento e tortura de supostos inimigos, venham de onde vierem — inclusive de dentro da família. A mais recente exposição de sua truculência partiu da própria filha Latifa, sumida desde 2018. Em uma série de vídeos caseiros gravados em um celular e divulgados pela BBC, a princesa diz que o pai a mantém presa em uma mansão à beira-mar em Dubai, com janelas bloqueadas, cinco agentes de segurança do lado de fora e dois do lado de dentro, de onde não sai nem para tomar sol. “Sou refém dele”, diz. Diante da denúncia, e dado o histórico do xeque, o Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos pediu comprovação de que Latifa está viva — sem resposta até quinta-feira 25.

FAMÍLIA PROBLEMÁTICA - O xeque e a sexta mulher, Haya: ela fugiu dele -
FAMÍLIA PROBLEMÁTICA – O xeque e a sexta mulher, Haya: ela fugiu dele – (Ali Haider/EFE)

A princesa — ou xeica, seu título oficial — de 35 anos tentou fugir duas vezes, sempre alegando falta total de liberdade fora do palácio. Na primeira, em 2002, era adolescente e foi rapidamente encontrada. Na segunda, em 2018, o iate da fuga foi abordado por comandos que a doparam e a puseram em um helicóptero e, em seguida, em um jatinho de volta para Dubai. Lá chegando, relata em um dos vídeos agora divulgados, passou duas semanas em uma prisão perto do aeroporto, sendo interrogada. “Temo todos os dias por minha segurança. Não sei se vou sair viva desta situação”, diz Latifa em um dos vídeos. Em outro, afirma: “A polícia ameaça me levar para fora e atirar se eu não cooperar”. As gravações foram feitas no banheiro — “o único lugar onde posso me trancar” — e enviadas através de um celular contrabandeado para a melhor amiga, um primo materno e um amigo, cofundadores da organização Free Latifa (Libertem Latifa), ao longo de quase dois anos. Aí, cessaram. Seu advo­ga­do, David Haigh, diz que a preocupação com seu estado atual levou à divulgação dos vídeos.

O xeque de 4 bilhões de dólares tem outra filha sumida: Shamsa foi sequestrada há vinte anos em Cambridge, em pleno Reino Unido. O caso teria sido abafado pela polícia britânica para não constranger Al Maktoum — em carta contrabandeada via amigos, Latifa pede às autoridades que reabram o caso. O xeque é visitante frequente do país, onde tem várias mansões e negócios, entre eles estábulos de sua criação de cavalos de raça e de corrida, a maior do mundo. Por obra dele, Dubai, com seus shop­ping centers no deserto e prédios imponentes, se tornou um ímã para turistas do mundo todo. O amor aos cavalos o aproximou da rainha Elizabeth, com quem compartilhou camarote em várias temporadas de corridas em Ascot. As trocas de amabilidades entre os dois soberanos esfriaram no ano passado, quando Elizabeth foi aconselhada a evitar encontros com o xeque devido a outro escândalo familiar: a sexta mulher dele, a princesa Haya, meia-irmã do rei da Jordânia e presença constante nas solenidades e viagens reais, surgiu em Londres com os dois filhos do casal e uma fortuna em dinheiro e joias, fugindo do marido e dizendo temer por sua vida. Pouco antes, Al Maktoum escrevera poesias repletas de dor e fúria dando a entender que ela estava tendo um romance com seu guarda-costas.

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PRESSÃO - Manifestação em Londres: amigos contrabandearam um celular -
PRESSÃO - Manifestação em Londres: amigos contrabandearam um celular – (Reprodução/Instagram)

Haya abriu processo por parte dos bens e pela guarda dos filhos em Londres, onde mora em um casarão cercado de seguranças. Com base em seus depoimentos, a Suprema Corte britânica deliberou que tanto Samcha quanto Latifa foram, de fato, levadas à força de volta a seu país. “A princesa pode estar detida em uma cela dourada, mas isso não muda o fato de que sua privação de liberdade é arbitrária e, de tão prolongada, equivale à tortura”, disse a VEJA Lynn Maalouf, vice-diretora da Anistia Internacional para o Oriente Médio e Norte da África. A Embaixada dos Emirados em Londres, em comunicado, informou que “Sua Alteza está recebendo cuidados em casa, com apoio de sua família e de profissionais médicos”. Não tranquilizou ninguém, até porque a história pregressa de desaparecimentos familiares orquestrados pelo xeque tem mais um capítulo menos comentado: a primeira mulher dele e mãe de Latifa e de Shamsa, xeica Hind bint Maktoum al Maktoum, mora há décadas em Surrey, na Inglaterra, e jamais foi vista em público.

Publicado em VEJA de 3 de março de 2021, edição nº 2727

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