A posse de Maduro e a ditadura que não tem mais vergonha de mostrar a cara
Com cerimônia marcada para 10 de janeiro, o caudilho venezuelano corta qualquer possibilidade de abertura democrática

Para a Venezuela, e para o mundo sobressaltado, 2025 começou com cara de passado. Na próxima sexta-feira, 10, Nicolás Maduro assumirá o comando do país, em cerimônia típica de uma “republiqueta de bananas”, na qual pretende passar a faixa a si próprio. Em Caracas e nos principais centros urbanos espera-se a eclosão de protestos, porque nem mesmo os cidadãos mais pobres creem nas promessas e nas falsidades do mandatário. Ao recusar-se a apresentar as atas que comprovariam a limpeza da eleição presidencial, em julho do ano passado, Maduro acendeu o pavio da desconfiança.
Pelas ruas da capital pipocam pichações com dizeres de “Liberdade já”, clara demonstração de rejeição ao regime chavista que empobreceu o país do petróleo nos últimos 25 anos. Não há, contudo, até onde a vista pode alcançar, nenhum movimento democrático, ao contrário. Encurralado dentro e fora de casa, o caudilho afia as garras e parece já não ter vontade de dissimular a bruta realidade.
Um modo de medir a insensatez, e às favas todo o escrúpulo, é a briga silenciosa, mas nem tanto, com o presidente Lula, amigo de todas as horas. O presidente brasileiro e seu assessor especial, Celso Amorim, apostaram na renovação, ao acreditar na boutade do autocrata, que deixaria o cargo caso fosse derrotado em um pleito limpo. Diante da fraude, o Itamaraty não reconheceu a legitimidade do governo, vetou a entrada da Venezuela no Brics e determinou que apenas a embaixadora Gilvânia Oliveira estivesse presente na posse — um jeito de dizer, em linguagem diplomática, que somente as frias relações formais serão mantidas. Movimentos sociais e entidades de esquerda bem que apelaram a Lula, ao pedir recuo e pazes com o vizinho ao norte. A possibilidade, porém, é considerada remota por funcionários do Itamaraty e do Palácio do Planalto. O desentendimento entre os dois líderes tem tensionado as conversas entre embaixadores dos dois lados da fronteira ideológica. A situação é particularmente tensa na representação da Argentina em Caracas, cuja segurança passou a caber ao Brasil, depois que o governo do ultraconservador Javier Milei decidiu abrigar opositores do regime.

Embora pareça, Maduro não está sozinho. Sua permanência no poder se deve, em parte, ao apoio de uma troika sustentada pelo autoritarismo e capitaneada por Xi Jinping, da China; Vladimir Putin, da Rússia; e Recep Erdogan, da Turquia. Todos de olho nas imensas reservas de óleo negro venezuelano, alternativa aos canais de comércio dominados pelos EUA e pela União Europeia. Em troca, Pequim e seus satélites acenam com novos negócios e financiam a dívida do país sul-americano — algo em torno de 60 bilhões de dólares. Internamente, Maduro se apoia no jogo corporativo das Forças Armadas. Nada menos que 2 000 generais gozam de cargos públicos estratégicos, salários polpudos e inúmeros privilégios, passando ao largo de serviços públicos precários, inflação alta e desabastecimento nos supermercados que atingem a maioria da população. “Maduro acredita não ter motivos para ceder à oposição”, diz Carolina Pedroso, professora de relações internacionais da Unifesp, descartando a possibilidade de transição negociada no contexto atual.
Um fato novo pode, sim, desestabilizar o cenário aparentemente controlado: o regresso de Donald Trump à Casa Branca. O novo secretário de Estado, o chefe da diplomacia americana, Marco Rubio, é inimigo declarado de Maduro. A seu lado estará o novo enviado especial para a América Latina, Maurício Claver-Carone, arquiteto do plano que, em 2019, tentou alçar o deputado venezuelano Juan Guaidó ao esdrúxulo cargo de presidente interino. A iniciativa, como se sabe, resultou apenas em piadas, mas tudo indica que Trump tentará retomar a política de “pressão máxima” implementada no primeiro mandato. A receita incluiu isolamento político, sanções econômicas e incentivo a revoltas populares.
Sob o chavismo, a Venezuela viu o PIB encolher 80%, equivalente hoje ao da cidade do Rio de Janeiro. A crise econômica e o despotismo fizeram com que cerca de 7,7 milhões de pessoas deixassem o país, em uma das maiores diásporas do mundo. O endurecimento do regime, temem observadores internacionais, pode desencadear numa nova fuga em massa. Segundo pesquisa recente, um terço da população restante cogita ir embora se o governo não mudar. “Maduro, contudo, tem o tempo a seu favor”, diz Paulo Velasco, do curso de relações internacionais da Uerj. “Tanto o povo como as forças da oposição perderão capacidade de se mobilizar em decorrência de brigas internas, cansaço ou medo.” Edmundo González, que alega ter vencido a eleição de 2024, está exilado na Espanha. María Corina, sua madrinha política, vive escondida em alguma embaixada de Caracas. Sem capacidade de mexer no tabuleiro, restou à oposição denunciar as arbitrariedades de um regime que prendeu 2 300 pessoas desde a fraude eleitoral. Três presos políticos morreram na cadeia. No horizonte, só há mais do mesmo, para pior, muito pior.
Publicado em VEJA de 3 de janeiro de 2025, edição nº 2925