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A pandemia fomenta a caça ilegal de animais na África

Resultado perverso da crise sanitária, espaços sofrem com o sumiço de turistas e a debandada de guardas-florestais

Por Alessandro Giannini Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 13h53 - Publicado em 7 Maio 2021, 06h00

Animais selvagens parecem ser pouco suscetíveis ao novo coronavírus e, até onde se sabe, passam pela Covid-19 como se ela não existisse. Por outro lado, eles não estão a salvo dos efeitos colaterais da pandemia. Na África do Sul, parques públicos reduziram suas patrulhas e reservas privadas cortaram pessoal, cedendo terreno à caça proibida. Isso acontece porque os turistas sumiram e a receita que eles trazem diminuiu consideravelmente, afetando populações inteiras que se beneficiam, direta ou indiretamente, dessa economia. Antes em declínio em todo o continente africano, a matança voltou a assombrar os animais que habitam a região meridional, o que aumenta o risco de extinção de rinocerontes-negros e brancos, elefantes-africanos, leões, leopardos e outras espécies nativas.

No início do mês, o governo sul-­africano anunciou que promoverá mudanças nas políticas de conservação ambiental. Regulamentado em 2016, o comércio de chifres de rinoceronte e de presas de elefante deve ser proibido novamente, para alívio de ambientalistas empenhados em salvar esses mamíferos. A tolerância à criação de leões em cativeiro também deve ser revista. Barbara Creecy, do Departamento de Silvicultura, Pesca e Meio Ambiente, disse em comunicado que a prática “não contribui para a conservação e está prejudicando a nossa reputação no turismo”. De acordo com a organização não governamental WildAid, existem entre 8 000 a 12 000 leões sul-africanos vivendo em cativeiro, muitos deles criados por causa de seus ossos — vendidos na Ásia para suposto uso medicinal — ou para a indústria de troféus de caça. O afrouxamento da vigilância fez recrudescer a captura dos felinos: restam hoje menos de 4 000 exemplares do majestoso animal em liberdade.

As Nações Unidas estimam que, globalmente, o faturamento com caça e comércio ilegal de vida selvagem pode chegar a 213 bilhões de dólares ao ano. Dados consistentes, contudo, são escassos, pois nem todos os crimes são notificados e há muita dificuldade de quantificar e valorar a captura e abate de animais, bem como os subprodutos advindos da atividade. No entanto, levantamentos recentes, feitos em regiões protegidas, apontam para um cenário desolador.

Na Zâmbia, também no sul da África, os guardas-florestais do Parque Nacional Kafue, estabelecido em mais de 22 000 quilômetros quadrados, reportam que o número de armadilhas para pegar antílopes e felinos quase triplicou. O Parque Nacional do Baixo Zambeze, que tem uma área bem menor que a do Kafue, registrou um aumento de 200% na caça proibida do ano passado para este. Grande parte das ocorrências ocorre nas periferias da reserva, exatamente onde as patrulhas foram cortadas. Na Nigéria, que dá ampla saída para o Oceano Atlântico, foi interceptado um carregamento, avaliado em 2,5 milhões de dólares, de quase 9 toneladas de marfim, escamas de pangolim e ossos de diversas espécies ameaçadas de extinção. Além disso, autoridades austríacas confiscaram, em Viena, 74 camaleões provenientes da Tanzânia.

Arte caça ilegal

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Por causa das medidas restritivas na pandemia, o ecoturismo na África sofreu um impacto tão forte que praticamente evaporou: 90% dos operadores reportaram queda de 75% nas vendas de viagens. Como resultado, a presença constante de turistas, que inibia atividades ilegais, passou a ser mínima, afetando por tabela a arrecadação que paga a vigilância dos parques. Em condições normais, o turismo selvagem africano fatura anualmente 29,5 bilhões de dólares e emprega 3,6 milhões de pessoas, que compõem parte da força de trabalho que cuida da proteção das reservas. Como se não bastasse, as populações próximas, geralmente comunidades pobres que sobreviviam da conservação, foram alijadas do processo por causa da pandemia. Empobrecidas, acabaram sendo cooptadas pelos caçadores, justamente porque conhecem os caminhos para chegar aos animais. “Elas precisam sobreviver e não têm alternativa”, explica o colombiano Jorge Ríos, do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime. E, diante desse cenário, só resta aos países endurecer a legislação na tentativa de conter o avanço dos criminosos.

Havia a esperança de que as restrições sanitárias afastassem os caçadores, mas, ao que tudo indica, eles pouco se importam, contanto que consigam obter lucro. A carne do pangolim, animal exótico cujas escamas foram encontradas no carregamento apreendido na Nigéria, pode ter sido o alimento que disparou o surto de coronavírus em Wuhan, na China. Tendo em vista que o ebola e as gripes aviária e suína se originaram da manipulação abusiva de animais, talvez tenha chegado a hora de levar a sério o alerta que paira no ar há décadas: cuidado com a vingança da natureza.

Publicado em VEJA de 12 de maio de 2021, edição nº 2737

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