Partituras perdidas de sufragista negra ganham vida no piano
A alagoana Almerinda Farias Gama (1899-1999) foi figura histórica na luta pelos direitos das mulheres negras

Partituras compostas pela sufragista, datilógrafa e sindicalista alagoana Almerinda Farias Gama (1899-1999), figura histórica na luta pelos direitos das mulheres negras, foram encontradas nos arquivos da Escola Nacional de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Quem trouxe à luz o tesouro musical esquecido foi a jornalista Cibele Tenório, repórter da Rádio Nacional e pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB), que prepara um livro com a história da personagem a ser publicado no ano que vem pela editora Todavia.
A descoberta lança luz sobre a vida de Almerinda para além de sua militância. “Falamos de uma personagem que foi esquecida”, disse a pesquisadora à Agência Brasil, que descobriu a paixão da sufragista pelo piano durante sua pesquisa de mestrado. Almerinda, que aprendeu o básico do instrumento com a avó na infância, só pôde se dedicar à composição musical na velhice, após se aposentar como datilógrafa.
A música de Almerinda, composta em diversos estilos como baião, valsa e samba, transcende o papel e ganha vida através da pianista Renata Sica, que se encantou com a história e resolveu tocar e gravar as partituras. “Eu fiquei tocada quando o Instituto do Piano Brasileiro divulgou a descoberta das partituras. Eu queria tocar. E foi como viajar no tempo”, conta Renata.
Repercussão

As partituras de Almerinda foram disponibilizadas pelo Instituto do Piano Brasileiro (IPB), com mais de 4 mil vídeos de partituras de compositores brasileiros publicados. A repercussão da descoberta demonstra o poder da música em resgatar histórias esquecidas e inspirar novas gerações. “Meu encontro com a Almerinda também é proporcionado pela ancestralidade”, diz Cibele. “Sou filha de uma mulher negra e a minha pesquisa é, de alguma maneira, um reencontro com a minha mãe.”
A música de Almerinda possui um caráter acessível que a torna ideal tanto para ambientes domésticos quanto para recitais. “As músicas da Almerinda são simples”, disse à Agência Brasil Alexandre Dias, presidente do IPB. “Podem ser tocadas em ambiente doméstico ou recitais.”

A história de Almerinda representa uma quebra de paradigmas em uma sociedade que historicamente relegou a arte a um segundo plano para a população negra. “As mulheres negras são as que mais sofrem a opressão”, disse Kátia Santos, professora da UFRJ e pesquisadora da cultura afro-brasileira, que destaca a importância da educação para que talentos como o de Almerinda possam florescer. “Elas têm sempre que se juntar para tentar fazer valer um espaço para elas.”
O legado de Almerinda Farias Gama, outrora silenciado, ressoa agora através das teclas do piano, ecoando sua luta e talento para o mundo. A descoberta de suas partituras representa não apenas um achado musical, mas a recuperação de uma parte importante da história da mulher negra no Brasil.
(Com Agência Brasil)