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Livro reconstrói fuga espetacular de presas políticas uruguaias, em 1971

Jornalista argentina Josefina Licitra tira do esquecimento evento protagonizado, entre outras, pela ex-vice-presidente e ex-primeira-dama Lucía Topolansky

Por Alessandro Giannini Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 19 out 2024, 15h56 - Publicado em 19 out 2024, 08h00

Durante décadas, a Operação Estrela ficou relegada ao terreno árido do esquecimento. Coube à jornalista argentina Josefina Licitra desempoeirar esse capítulo importante da história política do vizinho Uruguai. O resultado está impresso nas 232 páginas do livro 38 Estrelas: a maior fuga de um presídio de mulheres da história, que a Relicário acaba de lançar em sua coleção Nos.Otras, com tradução do espanhol de Elisa Menezes.

O livro-reportagem é ao mesmo tempo rigoroso e envolvente. Licitra procurou reconstruir com minúcias o que aconteceu antes, durante e depois daquele 30 de julho de 1971, quando o Uruguai foi sacudido brevemente pela fuga de 38 presas políticas, a maior parte delas ligadas ao Movimento de Libertação Nacional – Tupamaros, da prisão de Cabildo, em Montevidéu.

A jornalista argentina Josefina Licitra, autora de 38 Estrelas (Relicário) -
A jornalista argentina Josefina Licitra, autora de 38 Estrelas (Relicário) – (Relicário/Divulgação)

Lê-se 38 Estrelas como um thriller — no bom sentido, claro. O livro se passa em um período, entre o fim dos anos 1960 e o início dos anos 1970, marcado por uma crescente polarização política e social. O ápice dessa situação viria alguns anos depois, com o golpe de Estado de 1973, que derrubou o governo de Juan Bordaberry, e a instauração de uma ditadura cívico-militar que perduraria por doze anos.

“Achei muito atraente ver como 38 mulheres conseguiram esvaziar uma cela de prisão”, disse a autora em entrevista por vídeo a VEJA. “Além disso, ocorreu-me que este episódio, tão rico em anedotas e tensão dramática, nunca tinha sido contado. Isto é especialmente surpreendente considerando que o movimento Tupamaro, ao qual pertenciam as fugitivas, foi muito hábil na construção de sua própria narrativa.”

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Fachada da prisão de Cabildo, de onde se deu a fuga das presas nos anos 1970, no centro de Montevidéu -
Fachada da prisão de Cabildo, de onde se deu a fuga das presas nos anos 1970, no centro de Montevidéu – (Relicário/Divulgação)

Entre as fugitivas, estava Lucía Topolansky, que anos depois viria a se tornar companheira de José “Pepe” Mujica, presidente uruguaio de 2010 a 2015. Longe de ser uma coadjuvante, ela foi muito ativa tanto como primeira-dama quanto como senadora da Assembléia Geral — entre 2017 e 2020, assumiu ainda a vice-presidência, após a renúncia de Raul Sendic.

Foi durante a apuração para um perfil de Mujica, em 2011, que Licitra ouviu de Topolansky o relato da fuga espetacular da qual fizera parte seis décadas antes. “Sem entrar muito em detalhes, ela mencionou a operação que, apesar de suas características marcantes, não havia sido lembrada por nenhum dos entrevistados anteriores”, escreve a jornalista no Prólogo do livro.

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Lucía (à direita) e María Elia Topolansky em registro de 1985, depois que foi declarada a anistia no Uruguai -
Lucía (à direita) e María Elia Topolansky em registro de 1985, depois que foi declarada a anistia no Uruguai – (Relicário/Divulgação)

Lucía estava na prisão com a irmã gêmea, Maria Elia, chamada de La Parda. Elas tinham divergências políticas em razão de críticas ao comando tupamaro — tanto que a dissidência acabou resultando em uma nova organização de esquerda. Por isso, a primeira, chamada pelas companheiras de “La Oficial”, organizou os planos para fugir, mas não contou nada para a outra até pouco antes da saída.

“Lucía entrou no movimento de forma espetacular: trabalhou como secretária em uma empresa financeira, descobriu uma relação corrupta entre a financeira e o governo e ajudou os Tupamaros a realizar um desvio de dinheiro”, disse Licitra. “É fascinante como uma garota de classe média alta, de 25 ou 26 anos, loirinha, que usava minissaia, acabou tomando uma decisão tão arriscada.”

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38 ESTRELAS, de Josefina Licitra; Tradução de Elisa Menezes; Relicário (coleção Nos.Otras); 232 páginas; R$ 65,90 -
38 ESTRELAS, de Josefina Licitra; Tradução de Elisa Menezes; Relicário (coleção Nos.Otras); 232 páginas; R$ 65,90 – (Relicário/ Paula Albuquerque/Reprodução)

O fato de um movimento como o tupamaro, com tanta facilidade em construir sua própria narrativa, ter deixado esquecidas 38 mulheres que escaparam de forma épica foi outro ponto motivador para a autora escrever o livro. “Durante décadas o que nós, mulheres, fizemos teve uma dimensão menor”, ponderou ela. “Estes dois elementos – uma história fascinante que não tinha sido contada por razões que atribuo ao gênero – pareceram-me suficientemente interessantes para investigar a fundo essa história.”

38 Estrelas foi lançado em 2018, quase simultaneamente no Uruguai e na Argentina. Na apresentação uruguaia os tupamaros foram convidados a comparecer. “Foi interessante porque, durante o evento, quando um ex-dirigente da organização sugeriu que não havia desigualdade de gênero no movimento, várias mulheres na plateia levantaram as mãos para contradizê-lo e contar suas próprias experiências”, contou Licitra. “Isso me confirmou que o livro tocou em um tópico importante que precisava ser discutido.”

Os direitos de adaptação para o audiovisual logo foram adquiridos por uma plataforma. A ideia inicial era fazer uma série de oito episódios, mas com o tempo o projeto foi reconfigurado. “Agora outra produtora pegou e vamos fazer um filme”, disse a jornalista argentina, que também trabalha como roteirista. “Estou começando a escrever a adaptação sozinha. A ideia é que tenha uma forte presença uruguaia, possivelmente com um diretor uruguaio e atores uruguaios, embora seja uma coprodução entre Uruguai e Argentina.” A ver.

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