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Favorito à ABL estreia na ficção com crítica ao esquecimento cultural brasileiro

Em “Ozymandias”, José Roberto de Castro Neves narra a história de uma cidade onde os livros somem, as mulheres não têm filhos e o poder nunca muda de mãos

Por Ligia Moraes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 28 Maio 2025, 13h08 - Publicado em 28 Maio 2025, 13h03

Conhecido por sua trajetória no direito e por obras que transitam entre a crítica literária, a história e a filosofia, o advogado e professor universitário José Roberto de Castro Neves estreia na ficção com Ozymandias, romance publicado pela editora Intrínseca. Ambientado na cidade fictícia de Ateninhas, o livro percorre mais de um século de transformações sociais, culturais e políticas ao acompanhar os rumos de uma mesma família, os Luteros, que concentram o poder no povoado desde a colonização até a redemocratização brasileira.

A narrativa, construída como um quebra-cabeça literário, costura dezenas de personagens e múltiplas camadas de tempo com referências que vão da tragédia grega ao cordel, de Shakespeare a Guimarães Rosa, de Dante aos mitos iorubás. Ao mesmo tempo lírica e crua, a trama acompanha a trajetória da protagonista Ozymandias — uma mulher marcada por tragédias, que se vê transformada em santa por uma população que já perdeu os próprios livros e as próprias crenças. Mais do que uma saga familiar, Ozymandias é uma alegoria da formação do Brasil e um ensaio sobre o destino, o apagamento cultural e a permanência da desigualdade.

Às vésperas da eleição da Academia Brasileira de Letras — marcada para esta quinta-feira e com o nome de Castro Neves entre os mais cotados —, o autor conversou com a Veja sobre o romance, suas referências e a importância da cultura como saída possível para o país.

imagem da capa Ozymandias
(Intrínseca/José Roberto de Castro Neves/Reprodução)

Depois de quase vinte livros de não ficção, muitos deles voltados ao direito e à literatura, por que decidiu estrear agora na ficção com “Ozymandias”?

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Sou um leitor compulsivo — leio de tudo, o tempo todo. Romance, crítica, poesia, história, biografia. E já há bastante tempo eu vinha ensaiando ideias de romances, mas elas ficavam pelo caminho. Até que uma história me dominou por completo. O romance é diferente do ensaio: ele te absorve, te atravessa. Os personagens começam a discutir com você, a te contrariar. É mais sentido do que pensado. A ideia central era discutir o papel do destino na vida humana. Até pouco tempo, o homem ocidental acreditava que não controlava sua história — quem mandava era o destino. Só recentemente começamos a achar que temos algum poder sobre isso. Eu quis retomar essa discussão.

A cidade de Ateninhas tem uma biblioteca cujos livros desapareceram e mulheres que se tornam estéreis. O que essas imagens significam dentro da história?

São metáforas de uma sociedade sem cultura. Os livros somem e ninguém parece se importar. E, de repente, as mulheres não conseguem mais ter filhos. Mas ninguém faz essa associação. A ausência de livros é a esterilidade de um povo. Uma comunidade sem cultura, sem memória, sem livros, é uma comunidade que não pode gerar nada — nem ideias, nem futuro. Isso atravessa a história do Brasil, um país com uma riqueza cultural extraordinária, mas que se permite esquecê-la. Vamos apagando essas culturas — indígenas, africanas, imigrantes — ao longo do tempo. Isso é profundamente trágico.

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O livro percorre um arco longo da história brasileira, com ciclos de violência, poder e desigualdade. Que Brasil emerge dessas páginas?

O Brasil do livro é o Brasil real: marcado por estruturas de poder que se repetem, pela desigualdade que se perpetua, pelo sofrimento que se acumula. Não há heróis na história, mas personagens complexos, com dilemas e limitações. A única saída possível, para mim, é a cultura e a educação. É o que tento afirmar com esse livro. A cultura é o que pode nos tirar do lugar em que estamos. E, infelizmente, é justamente o que a gente mais negligencia. Ateninhas é uma cidade que perdeu os livros — e sequer percebeu que isso era um problema.

E, ao mesmo tempo, o livro é cheio de referências literárias. De onde vêm essas influências e como elas moldaram o texto?

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Há muito de Shakespeare, de Dante, de Virgílio, da tragédia grega — que eu adoro —, e também da literatura brasileira, especialmente Guimarães Rosa. E há brincadeiras: o poeta da cidade, por exemplo, se chama Guimarães de Guimarães. Toda cidade tem o seu poeta local — nem sempre genial. Eu quis construir um livro que prestasse homenagem à inteligência do leitor, com muitas camadas, muitas referências escondidas, sem subestimar ninguém. Inclusive a ausência de numeração nas páginas é proposital: o tempo da narrativa não é o tempo cronológico. É o tempo da memória, da história que se repete.

Amanhã acontece a eleição da ABL, e seu nome é um dos favoritos. O que representa para você ocupar uma cadeira na Academia?

A Academia Brasileira de Letras sempre foi um sonho. Um lugar de pessoas extraordinárias, um verdadeiro Olimpo. Estou aqui com as velas acesas, esperando. Ser eleito seria uma honra imensa — ainda mais nesse momento, com o lançamento de Ozymandias, um livro que fala justamente sobre a importância da palavra, da memória e da cultura.

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