Sabor estrangeiro: os jovens chefs brasileiros que avançam no exterior
A presença cada vez maior de nomes do Brasil no comando de casas internacionais derruba estereótipos e consagra o rico tempero nacional
CABOCO (Los Angeles)
Chefs Victor Vasconcellos e Rodrigo Oliveira
“Depois de muito aprendizado, confusões e uma pandemia, hoje temos o restaurante exatamente como sonhamos”, celebra Oliveira
Esqueça a combinação caipirinha-feijoada-churrasco que há muitos anos marca presença em grandes capitais mundo afora, basicamente para matar a saudade da comunidade brasileira — e, quem sabe, fisgar alguns estrangeiros curiosos. A gastronomia do país vive fase inédita, mais refinada e pujante, o que é resultado sobretudo do surgimento de uma geração de chefs sintonizada com as demandas dos novos tempos. Cada vez mais, as pessoas buscam sabores regionais associados à alta qualidade culinária. É aí que entram os representantes brasileiros, e eles descobriram que levar essa perspectiva para outros países pode ser ótimo negócio.
O mais recente passo foi dado por Rodrigo Oliveira, dono dos restaurantes Mocotó e Balaio, em São Paulo, que no mês passado abriu as portas do Caboco, em Los Angeles, nos Estados Unidos. Ele e o colega Victor Vasconcellos criaram um cardápio moderninho, ainda que de difícil tradução para o inglês, que inclui dadinhos de tapioca (cheesy tapioca fries), moqueca de caju (the vegetable stew: cashew fruit, hearts of palm, plaintain, vegetables, tucupi and coconut broth), entre outros. Em breve, os americanos receberão outra estrela da nova gastronomia nacional, a paranaense Manoella Buffara, que abrirá as portas do Ella, no bairro de Chelsea, em Nova York. A inauguração teve de ser adiada para o início de 2022, em razão da pandemia. O Ella terá uma proposta diferente do Manu Buffara, restaurante em Curitiba que lhe rendeu a 21ª colocação no The Best Chef Awards, rol dos 100 melhores profissionais do setor. “O Manu é uma casa pequena, com menu degustação e harmonização. Já o Ella terá clima mais casual, com pratos para compartilhar”, diz Manoella. “Quero mostrar quanto nossa cozinha é rica.” O cardápio terá até quinze opções, como um tartar de peixe com fermentado de castanha-do-pará — como se vê, a ideia é associar certa sofisticação com sabores tropicais.
DA TERRA (Londres)
Chef Rafael Cagali
O restaurante em Londres tem moqueca entre as atrações e recebeu duas estrelas do Guia Michelin (uma abaixo do máximo). “Não trabalho visando a isso, mas não custa sonhar com uma terceira”
Um dos brasileiros há mais tempo no mercado internacional é Ivan Brehm. Nascido em Campinas, São Paulo, e há uma década vivendo em Singapura, na Ásia, ele comanda o Nouri, cujo cardápio propõe uma viagem de sabores. De certa forma, Brehm percebeu antes de muita gente o potencial da culinária do país. “Sempre busco um ponto de interseção de culturas”, diz. “Meu vatapá e meu acarajé não são apresentados como um símbolo brasileiro, mas de confluência de tradições”, diz ele, citando ligações entre a culinária brasileira e a peruana com a do Sudeste Asiático.
ELLA (Nova York)
Chef Manu Buffara
A paranaense cursava jornalismo antes de se descobrir uma chef de elite no exterior. “Quanto mais você viaja e se desenvolve, mais conhece novos ingredientes e formas de usá-los”
Nos tempos em que trabalhou como aprendiz na cozinha do Fat Duck, um dos mais famosos de Londres, Ivan foi colega do também paulista Rafael Cagali, que agora comanda o Da Terra, um restaurante com raízes ítalo-brasileiras que vem se tornando sensação na capital britânica. Em apenas oito meses, Cagali recebeu sua primeira estrela do Guia Michelin. Pouco depois, mesmo encarando fechamentos e reaberturas forçados pela Covid-19, obteve sua segunda estrela. “A culinária nacional começa a ser valorizada de maneira mais ampla”, avalia. Seu cardápio traz itens brasileiríssimos, como moqueca, romeu e julieta e sorbet de açaí. No restaurante, o menu degustação mais completo, com dez pratos, custa 1 300 reais.
NOURI (Singapura)
Chef Ivan Brehm
O cozinheiro paulista une gastronomia e pesquisa na Ásia. “Nossa cultura é híbrida, somos um país jovem. A capacidade de misturar ingredientes e criar algo único é típica do brasileiro”
Há um fator comum na trajetória desses brasileiros: o fato de, ainda jovens, terem estudado e desenvolvido o gosto pela gastronomia fora do Brasil. Começaram por baixo, juntando dinheiro e aprendendo com grandes mestres. “O que melhor explica o fenômeno é a presença cada vez maior de brasileiros em cozinhas e escolas pelo mundo”, avalia Ivan Brehm, que deixou a capital paulista aos 17 anos e passou por Espanha, Itália e Inglaterra até se firmar em Singapura. Um nome também é constantemente citado como responsável: Alex Atala, dono do prestigiado D.O.M., em São Paulo. “Sem dúvida, ele abriu portas para todos os chefs do Brasil, foi o precursor disso tudo”, diz Manoella, que cursava jornalismo antes de mergulhar na gastronomia assim que foi morar na Itália. “Hoje, cabe a nós levar isso adiante.” Na raça e com sabor.
Publicado em VEJA de 24 de novembro de 2021, edição nº 2765