Muito além do camarão: leva de receitas inova com ingredientes do mar
Lançadas na Espanha, opções com matérias-primas que eram descartadas ganham espaço pelo visual e por respeitar o meio ambiente
Autor do primeiro grande clássico da gastronomia, A Fisiologia do Gosto, o advogado e cozinheiro francês Jean Anthelme Brillat-Savarin (1755-1826), bom no paladar e na retórica, resumiu a experiência de levar à boca as invenções de forno e fogão: “A descoberta de um novo prato faz mais pela felicidade da humanidade do que a descoberta de uma estrela”. A mais recente onda criativa nesse campo, sinônimo de alegria, vem do mar. Há uma leva de receitas sofisticadas com ingredientes marinhos que até outro dia eram desprezados ou desconhecidos. Olho de peixe assado, arroz de plâncton, microalgas fritinhas e ouriço fresco com massa são alguns dos inacreditáveis exemplos. A tendência foi deflagrada pelo chef Ángel León, do Aponiente, três-estrelas Michelin, de Cádiz, na Espanha. O menu degustação com 21 miniporções custa o equivalente a 1 500 reais. Paga-se pelo zelo e pelo visual — o que vai à mesa são esculturas —, mas também pela surpresa degustativa, mistura de adocicado e maresia.
Inicialmente, esses ingredientes entravam na cozinha com funções secundárias e eram descartados. O olho de peixe, por exemplo, é um bom agente espessante para molhos. As microalgas absorvem impurezas de caldos. O espanhol León, no entanto, conhecido pela culinária inventiva, emprestada de gênios como o catalão Ferran Adrià, foi o primeiro a torná-los protagonistas. A mais recente descoberta é o arroz marinho, um cereal com alto poder nutricional, cultivado com a água do mar. No Brasil, receitas semelhantes começam a desembarcar em restaurantes como o Corrutela e o Cais, em São Paulo, a Adega Don Maximiliano, em Joinville, e o Manu, em Curitiba.
A descoberta de ingredientes antes ignorados talvez seja uma das mais fascinantes características da moderna cozinha, de mãos dadas com os cuidados ambientais. É o que ocorre, por exemplo, no recente uso das plantinhas do mato, que nascem de forma espontânea por todo lugar. Entre elas, a taioba, o trevo-de-três-folhas e a semente de aroeira. Com o nome de “panc”, acrônimo para plantas alimentícias não convencionais, o modismo já é popular para quem busca alimentação sustentável — prato cheio para a geração dos millennials. “São as novas fronteiras na gastronomia que vão muito além do exótico”, diz o jornalista gastronômico J.A. Dias Lopes, colaborador de VEJA. “É a criatividade contra o desperdício.” Originalidade que desce agora aos sete mares.
Publicado em VEJA de 24 de março de 2021, edição nº 2730