Crescem as opções de restaurantes que mesclam referências ocidentais e orientais
Pratos inusitados valorizam a contribuição cultural de povos diversos

Entre o final dos anos 1960 e o início dos 1970, um dos períodos mais efervescentes da música em todo o mundo, nomes como Miles Davis, John McLaughlin e Chick Corea ousaram quebrar as barreiras entre o jazz, o rock e o funk para criar uma sonoridade inovadora e vanguardista que ficou conhecida como jazz fusion. Algum tempo depois, no final dos anos 1980, ao tomar emprestado o termo “fusion” para descrever um estilo de cozinha que ganhava espaço nos restaurantes da moda, o chef americano Norman Van Aken, em diálogo com o austríaco Wolfgang Puck, evocou esse sentimento de mistura ecumênica. A partir da influência de diferentes culturas, em iguais doses ocidentais e orientais, sabores inéditos estavam sendo postos à mesa, em autêntica revolução do paladar.

Vive-se, hoje, um outro capítulo daquela tendência que viraria febre, a “cozinha fusion”. A atual onda é ainda mais radical, de tantas e variadas mesclas, que há quem faça cara feia ao epíteto. Se vale tudo, por que não abandonar a palavra “fusão”? O Brasil é um dos polos mais intensos de intercâmbio gastronômico. Na capital paulista, por exemplo, o restaurante L40, no recém-inaugurado hotel de luxo W São Paulo, serve pratos influenciados pela comida de uma vastidão de países, de China a Espanha. No Rio de Janeiro, o Kinjo reúne referências peruanas e japonesas. É movimento em voga nas grandes metrópoles do mundo. Em Nova York, a união entre sotaques mexicanos e coreanos na cozinha é um dos destaques atuais. Em Buenos Aires, uma das capitais gastronômicas do continente, o Mishiguene oferece menu de clássicos judaicos com sotaque latino.
Parte da explicação desse longevo fenômeno, em eterna renovação, está no interesse pelo fascínio com a cultura de nações do Oriente. Agora, com a popularização de séries, filmes e baladas k-pop da Coreia do Sul, pratos e preparos tradicionais, como o kimchi (acelga fermentada) e o bibimbap (arroz com vegetais e carnes), ganham espaço. Outros países asiáticos já estiveram no centro das atenções, como o Japão, a China e a Tailândia. “As pessoas têm curiosidade, e mesmo necessidade, de experimentar receitas diferentes”, diz a chef Ina de Abreu, do Mestiço, em São Paulo. Tudo começou com uma viagem, literalmente. Depois de uma visita à Bangcoc, em 1997 ela abriu o restaurante com um cardápio de linhas baiana e tailandesa. Na época, a proposta era inovadora — e a casa se mantém até hoje graças à intersecção atualizada das duas cozinhas.

Há também um movimento decisivo de valorização das contribuições de comunidades de imigrantes que ajudaram a construir a gastronomia de várias regiões. O Mag, no bairro do Bom Retiro, em São Paulo, mistura comida latino-americana, judaica e brasileira como forma de homenagear os trabalhadores que ali se instalaram. “Não gosto do termo fusion, mas no fundo o que fazemos é isso. Eu prefiro dizer que é uma comida brasileira, porque é só aqui que você encontra essa mistura de referências”, diz o chef Pedro Pineda. A rede Cantón, com duas unidades em São Paulo e duas no Rio de Janeiro, é centrada na cozinha chifa, que mescla ingredientes e técnicas do Peru e da China. No final do século XIX, trabalhadores chineses foram tentar a vida no Peru e, a partir da década de 1920, restaurantes chifas começaram a abrir as portas. O nome ainda é muito associado à cena peruana, mas a mescla entre América Latina e China é encontrada em outros países vizinhos, como Equador, Chile e Bolívia.

Há, porém, entre críticos e cozinheiros, alguma ressalva em torno do negócio. O receio: a exagerada quantidade de restaurantes que entraram na dança por puro modismo, investindo na fusion como tempero de marketing. Deve-se, portanto, separar o joio do trigo. Os bons endereços, atrelados às exigências de nosso tempo, fazem mergulhos profundos e bem informados para então fundir sabores e sensações de povos diversos. É um modo de dizer que, também naquilo que levamos à boca, a diversidade é sinônimo de uma sociedade mais igualitária, sem preconceitos.
Publicado em VEJA de 17 de janeiro de 2025, edição nº 2927