COP30 será um grande palco para os sabores da floresta do chef Saulo Jennings
Ele é considerado o embaixador gastronômico da culinária amazônica

Há imensa expectativa. Quando dezenas de líderes mundiais, acompanhados por grandes comitivas, estiverem reunidos em Belém, no Pará, em novembro para participar da COP30, toda a atenção será destinada à discussão de temas relevantes relacionados às mudanças climáticas. O cenário, ao lado da Floresta Amazônica, trará ainda mais urgência ao debate. Contudo, uma bonita ferramenta diplomática poderá roubar a cena e abrir a mente de muitos para a necessidade de preservação da biodiversidade: a comida. A alimentação amazônica ensina muitas lições sobre os valores da floresta de pé e a riqueza alimentar da região. No entanto, é variedade de sabores ainda desconhecida até mesmo para boa parte dos brasileiros. No caminho da necessária divulgação, há um nome de destaque, o chef Saulo Jennings, considerado o embaixador informal da culinária amazônica.

Natural de Santarém, a pouco mais de 1 100 quilômetros de Belém, Jennings trabalhou em uma empresa multinacional antes de se tornar cozinheiro, transformando o hobby em negócio. Abriu um pequeno restaurante em sua varanda, e logo o espaço cresceu. A Casa do Saulo é hoje referência, com filiais em Santarém, Belém, Alter do Chão, Rio de Janeiro e São Paulo. Jennings faz um recorte específico do amplo caleidoscópio de pratos. Sua cozinha é centrada nos preparos relacionados ao Rio Tapajós, com receitas como a costela de tambaqui ou o boto cor de rosa, feito com pirarucu gratinado com queijo e banana-da-terra — ambos são peixes comuns na região e muito consumidos pela população local. Mantém um menu fixo em seus restaurantes como forma de garantir o didatismo da experiência. “Temos que ser insistentes na questão do ingrediente e da técnica ancestral”, diz Jennings.
A trajetória do chef deve ser celebrada, e não vem de agora. Ele foi escolhido para preparar o jantar presidencial da COP28, realizada em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, em 2023. Cozinhou na coroação do rei Charles III. Ainda atua como articulador de políticas públicas ligadas à produção da comida. Por suas habilidades no fogão e por atividade de evangelização do que faz, é admirado por outros cozinheiros. “Saulo, além de um profissional excepcional, valoriza a cultura alimentar tapajônica fortalecendo cadeias produtivas da sociobiodiversidade do bioma amazônico”, diz a chef Bel Coelho, conhecida pela defesa que faz dos ingredientes nativos. “É trabalho fundamental no desenvolvimento sustentável.”

A COP30 representará, por óbvio, um palco importante. Para muitos chefes de Estado, será o primeiro contato com a comida amazônica. Para outros, não. O líder chinês Xi Jinping e o presidente francês Emmanuel Macron estão entre aqueles que já comeram (e gostaram) da comida de Jennings. A partir dessa experiência, é possível usar a alimentação saudável e culturalmente forte como uma ferramenta fundamental do chamado soft power, no avesso da brutalidade das guerras. Se o ceviche peruano ou o sushi japonês são conhecidos no mundo afora é graças a um esforço consciente que deve ser replicado. “Podemos começar com um ingrediente como a mandioca e depois ampliar o leque, de modo a mostrar que a culinária brasileira vai muito além da caipirinha e da feijoada”, afirma Jennings.

Além do olhar de fora, a vitrine da COP 30 pode vir a se traduzir em políticas públicas efetivas. E isso envolve discutir o tema também pelo viés comercial, e não apenas pela beleza da preservação de técnicas e conhecimentos ancestrais. “Temos que colocar o pé no chão e debater como transformar nossa qualidade em dinheiro para os produtores”, diz o chef. É um processo que envolve vários órgãos públicos. Um pequeno produtor precisa entender o valor de manter a floresta de pé. Precisa de conhecimento técnico de manejo, que pode ser obtido por meio da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater). Precisa de ajuda do Sebrae para abrir uma microempresa, e de financiamento, que pode ser obtido por meio de bancos regionais. Trata-se de uma forma eficaz de garantir que o espólio alimentar da região seja preservado e que o produtor não se sinta pressionado para abrir mão de produtos locais e plante soja, por exemplo, mais rentável no curto prazo. A estrada é longa, mas saborosa, como mostra a carreira de Saulo Jennings.
Publicado em VEJA de 11 de abril de 2025, edição nº 2939