A nova geração de frutas e legumes geneticamente selecionados
Ela aposta em cores diferentes, sabores adocicados e máximo cuidado com o organismo
Na criação do premiado desenho Ratatouille, de 2007, Oscar de melhor animação, os produtores da Pixar entrevistaram biólogos, gastrônomos e chefs para construir a história e seus fascinantes personagens. Houve minucioso cuidado para que nenhuma informação soasse imprecisa. A certa altura, o mestre-cuca parisiense Auguste Gusteau resume a ópera à mesa: “A boa comida é como música que se saboreia, cor que se cheira”. A frase é o gatilho de inspiração para que o protagonista — um ratinho chamado Rémy — se aventure pelo mundo da gastronomia e comande um premiado restaurante francês. Nessa toada, em que a vida imita a arte, vive-se uma pequena revolução nas gôndolas dos supermercados e nas barracas das feiras: a profusão de produtos que seduzem os olhos com novas cores, bagunçando o arco-íris, e simultaneamente oferecem composições nutricionais cuidadosamente preparadas. Pode ser uma melancia amarela (sim, amarela!) com mais fibras, cebola que não provoque choro ao cortá-la e maracujá-roxo afeito a ser consumido in natura (acompanhe outros exemplos).
O carro-chefe, dado o sucesso imediato, é a melancia com poucos caroços, sabor doce e fibrosa — além, claro, do divertido espanto provocado pela tonalidade. Estima-se que até o fim do ano ela morda 15% do mercado de sua irmã original. Há uma vantagem competitiva: estabilidade no gosto e textura suculenta independentemente da época do ano ou local em que for comprada. “Não há surpresas após a compra, ela será sempre doce”, diz Paulo Tomaseto, diretor comercial de sementes de frutas e hortaliças da Basf, empresa alemã responsável pela inovação. Convém não se assustar com a presença de uma companhia química, mais conhecida pela fabricação de corantes sintéticos e, no passado, fitas cassete, na lida com frutas e legumes. A inesperada aparência dos comestíveis esconde zelo rigoroso e atenção total à saúde. É aprimoramento que deve ser celebrado, e não confundido com loucuras de laboratório, sem sentido. Ao contrário: trata-se de um processo fundamental para a agricultura moderna, conhecido como melhoramento genético. Por meio dele, dá-se a mistura — hibridação, no linguajar técnico — de diversas linhagens de uma mesma espécie. “São processos que levam de dez a quinze anos em busca do cruzamento adequado entre espécies já existentes”, diz a professora Sandra Cabel, do curso de agronomia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). “Nesse caminho, centenas de combinações são estudadas e descartadas até que se chegue ao ideal esperado.” O método combina plantas de uma mesma família, mas que diferem na cor, no sabor e na acidez. No caso da melancia, por exemplo, o tom amarelado já existia em uma variação africana detectada há milhares de anos.
Se a variedade hoje faz rir, ao brincar com os cinco sentidos, é sempre bom entendê-la como uma homenagem ao progresso científico — o que não significa, muito ao contrário, a louvação de pesticidas que comprovadamente são perigosos. Não se trata, também, de apartar a qualidade dos produtos orgânicos, muito bem-vindos, embora caros. O controle de campos e estufas, pai e mãe do atual momento, representou nos anos 1960 um movimento que tirou dezenas de milhões de pessoas da fome. A chamada Revolução Verde, que premiou com um Nobel da Paz em 1970 seu mais ardente defensor, o engenheiro agrônomo Norman Borlaug (1914-2009), permitiu o aumento de 13% na produtividade agrícola em países em desenvolvimento, como o Brasil, entre 1960 e 1990. A atual e colorida reviravolta, embora não tão influente, pode representar relevante aliado na conquista de novos consumidores interessados em novidades. E há vasta janela de crescimento. Dados recentes do IBGE apontam que apenas 13% dos adultos consomem a quantidade ideal, 25 vezes por semana, de frutas e hortaliças. É pouco. “A produção hoje busca acompanhar o gosto do consumidor, cada vez mais preocupado com a qualidade e diferenciais do que consome”, diz Fábio Faleiro, pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). A instituição está na etapa final de estudos de um novo tipo de maracujá, raro no mercado brasileiro, mas já disponível no exterior. A polpa deve agradar a quem tem paladar mais adocicado e a cor arroxeada será um atrativo à parte. É para comer com os olhos também.
Publicado em VEJA de 5 de maio de 2021, edição nº 2736