Último Mês: Veja por apenas 4,00/mês
Continua após publicidade

A lasanha agora é estrela em restaurantes requintados

O prato não é mais encontrado apenas em cantinas e endereços populares

Por J. A. Dias Lopes
Atualizado em 4 jun 2024, 15h03 - Publicado em 24 jan 2020, 06h00

Muitos brasileiros do Sul e Sudeste comem lasanha em casa no almoço de domingo, seguindo uma tradição dos imigrantes italianos. O prato é preparado pela mulher mais importante da família, seja a avó, a mãe ou a tia. Vai à mesa em travessa comunitária e é dividido entre oito ou mais pessoas. Além dessa circunstância, até a década passada a lasanha só era encontrada nas cantinas, os restaurantes populares de influência italiana, surgidos em São Paulo, ou similares, nos quais nunca saiu de moda. A novidade é que a trivial lasanha — um dos símbolos da gastronomia italiana no mundo — virou atração de endereços requintados. Essa ascensão começou na Itália, na década passada, e se espalhou internacionalmente. No fim de 2019, o diário econômico The Wall Street Journal, especulando sobre as próximas tendências alimentares, ressaltou que a lasanha “parece estar ganhando terreno” e exaltou sua presença em restaurantes elegantes de Nova York.

Fenômeno semelhante acontece no Brasil. Em São Paulo, desde o último dia 15, a Vinheria Percussi passou a oferecê-la à clientela. “Percebi que havia uma onda de interesse mundial e fui atrás”, explica a chef Silvia Percussi. “Já faz sucesso, pois nossa clientela aparentava esperar por ela.” Servida em delicada panelinha de cobre, sua lasanha é para uma pessoa. A Vinheria Percussi pratica a alta cozinha italiana contemporânea.

Considera-se a lasanha uma das mais antigas receitas de massa da Itália. Horácio, poeta lírico e satírico romano, citou-a no século I a.C. Entretanto, o prato ainda estava longe de se assemelhar ao contemporâneo. As tiras largas e achatadas eram assadas no forno ou talvez fossem fritas. A receita aparece entre os alimentos favoritos do povo de Pompeia, a cidade próspera, junto ao Golfo de Nápoles, soterrada pela erupção do vulcão Vesúvio em 79 d.C. Conta a lenda que Napoleão Bonaparte foi homenageado com um banquete, em Roma, pela antiquíssima família Colonna — o ramo principal do clã se estabeleceu na cidade em 1200. No menu, havia lasanha. Encantado com o prato, o imperador dos franceses teria perguntado se existia “comprovação idônea” da antiguidade da lasanha. “Não sei, majestade, mas há 2 000 anos falam isso”, respondeu-lhe o anfitrião.

A revalorização da lasanha, antítese da tendência atual de privilegiar alimentos menos calóricos, tem a ver com a redescoberta da cozinha italiana tradicional. O fenômeno começou nos anos 2010, com o resgate pelos bons restaurantes italianos de três molhos veteranos de massa: cacio e pepe (queijo pecorino romano e pimenta-do-reino); matriciana (guanciale, o bacon não defumado feito com as bochechas do porco, mais queijo pecorino, tomate e, em algumas variações, cebola); e carbonara (pancetta, a barriga de porco temperada, curada no sal e seca, além de ovos, queijo parmesão, queijo pecorino, toucinho, pimenta-do-reino e banha, azeite ou manteiga).

“Acredito que as pessoas estejam querendo comida normal”, diz Rogério Fasano, sócio e administrador do restaurante italiano Gero, de São Paulo (que tem no cardápio uma lasanha de folhas finas e delicadas), crítico de pratos atrelados a inesperadas texturas e sabores. “Cansaram-se do interminável menu degustação dos chefs inventivos. A cozinha italiana está em vantagem, pois sempre valorizou mais a qualidade da comida do que a habilidade de quem a prepara.”

Continua após a publicidade

Marco Renzetti, dono e chef do Pettirosso Ristorante, de São Paulo, especializado em iguarias romanas, chama a nova onda culinária de “febre mundial”. Ele abriu seu estabelecimento em 2007, já com as massas cacio e pepe e à matriciana. No ano de 2009, introduziu o espaguete à carbonara. “No próximo outono, o Pettirosso terá lasanha”, anuncia. Correndo na lateral, o chef Alex Atala, estrela de primeira grandeza da cozinha brasileira, lançou uma versão congelada do prato no seu Mercadinho Dalva e Dito, de São Paulo, para ser levada para casa.

Os italianos se ufanam do sucesso de pratos da sua intimidade familiar, porém põem um pé atrás. Temem o que chamam de “falsificações culinárias”. Gostariam de impedir que no molho cacio e pepe, por exemplo, o pecorino romano seja substituído por outro queijo e que no matriciana se use pancetta em vez de guanciale; também condenam o molho carbonara quando a pancetta é trocada pelo bacon. As “falsificações” são criticadas pela Acca­de­mia Italiana della Cucina, associação de gastrônomos com sede em Milão e delegação inclusive no Brasil. Seu trabalho de maior repercussão foi justamente a regulamentação da lasanha verde à bolonhesa, a mais difundida das variantes do prato — folhas largas de massa verde alternadas por ragu, bechamel (molho branco) e queijo parmesão ralado. Muitas vezes ela é preparada com dois ingredientes vetados: a mussarela e o creme de leite. A associação de gastrônomos acha isso um horror, a ponto de, em 2003, ter registrado solenemente a receita autêntica na Câmara de Comércio de Bolonha, na presença de autoridades nacionais.

“Queremos preservar a identidade dos nossos pratos”, explica Giovanni Ballarini, presidente da Accademia. “Respeitado o modelo autêntico, são lícitas as interpretações conforme a sensibilidade de quem as realiza.” No caso da lasanha, vai ser difícil impedir que restaurantes como os paulistanos Vinhe­ria Percussi, Pettirosso e Gero deem seu toque particular à receita, apresentando-a mais bonita e leve do que no passado. “A sorte foi lançada”, como disse o general Júlio Cesar ao cruzar com suas legiões o Rubicão, rio então interditado pela lei romana.

Publicado em VEJA de 29 de janeiro de 2020, edição nº 2671

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Veja e Vote.

A síntese sempre atualizada de tudo que acontece nas Eleições 2024.

OFERTA
VEJA E VOTE

Digital Veja e Vote
Digital Veja e Vote

Acesso ilimitado aos sites, apps, edições digitais e acervos de todas as marcas Abril

1 Mês por 4,00

Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (equivalente a 12,50 por revista)

a partir de 49,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a 9,90/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.